Nos países capitalistas os preços são livres. Ninguém precisa de autorização para ir ao mercado comprar o que quer, na quantidade que quiser — e é livre para comparar preços, barganhar, comprar ou não; mas os produtores e comerciantes também são livres para produzir, contratar e estabelecer os preços dos bens. Quanto mais arraigada (nos hábitos e nas regras que regem as escolhas das pessoas) for a liberdade de consumidores e produtores, maiores as chances de que aumente o bem-estar geral. É uma regra de ouro. Por Carlos Pio
Os leitores já pararam para pensar que nos países capitalistas, normalmente, não faltam produtos, não se formam filas quilométricas e as Forças Armadas não precisam ser convocadas para “conter a especulação” ou “garantir o acesso da população aos bens de primeira necessidade”? Que não há crise de abastecimento no capitalismo — e tampouco crise de fome? Por que será, então, que ao pôr em prática o decreto que desvaloriza o câmbio nominal em mais de 100% e cria taxas diferentes entre produtos considerados “de importação prioritária” e “supérfluos” o coronel Hugo Chávez optou por convocar as Forças Armadas para garantir o abastecimento?
A resposta é simples: a Venezuela não é mais um país capitalista (e nem democrático, diga-se de passagem!). Lá o governo estatiza empresas e bancos; intromete-se nos contratos privados; cerceia o direito de organização dos trabalhadores; adota política econômica irresponsável, que exagera gastos e reduz impostos, para comprar votos dos pobres e enriquecer os amigos; fixa preços; fixa o câmbio; oferece ajuda externa acima das capacidades do país; deixa o crime crescer e a infra-estrutura piorar; politiza a cartilha escolar; persegue adversários; fecha canais de televisão e rádio. E as notícias das últimas semanas atestam que Chávez quer aprofundar essas escolhas.
Alguém investiria o próprio dinheiro num país desses? Sem investimento privado, caem a oferta e a produtividade (eficiência), aumentam os preços (inflação) e caem as exportações, aumenta o desemprego e formam-se gargalos na economia. Não há prosperidade no fim desse túnel.
Inflação e desvalorização cambial são, a rigor, a mesma coisa: medidas da perda de valor real da moeda. Inflação é a corrosão desse valor pela elevação dos preços domésticos. Produtos e serviços mais caros significam maior custo de vida e maiores custos de produção. É a queda do poder de compra da moeda. E é apenas natural que essa queda seja acompanhada pela correspondente queda do poder de compra no exterior — em relação a bens, mas também às próprias moedas estrangeiras.
Por um lado, a desvalorização da moeda era inevitável e desejável. Apesar dos ganhos com exportações de petróleo, o país não conseguiria conviver por muito mais tempo com o crescimento das importações — as reservas de moeda estrangeira desapareceriam. No curto prazo, o efeito da desvalorização é positivo: as importações ficam mais caras (em bolívares) e devem cair; os produtos locais ficam mais baratos (em dólares) e devem crescer. No entanto, com o tempo esse efeito da desvalorização vai se perder. Importações essenciais — por exemplo, alimentos — também ficarão mais caras e seus preços tendem a se difundir pela economia, provocando mais inflação no futuro. E inflação provoca depreciação do câmbio, o que requer mais desvalorizações (e mais inflação...). Para ser efetiva e sustentável, a desvalorização precisa ser acompanhada de políticas capazes de fazer a economia crescer sem inflação.
A saída correta seria aumentar as liberdades de todos: preços livres, câmbio livre, importação livre, garantias à propriedade privada, desregulação da economia — sem falar nas garantias à vida e à participação política. Só assim cada venezuelano receberia bons incentivos para investir e produzir mais e, agindo assim, elevaria a eficiência e a competitividade da economia. Mas Chávez é contra.
Há alguma chance do decreto restaurar as bases de uma economia sólida e próspera? Infelizmente, não. Em breve constataremos mais inflação, mercado paralelo, contrabando e sonegação fiscal. Essa crescente desorganização da economia provocará mais descontentamento social e intensificação de manifestações políticas contra Chávez. Isso porque nenhum governo é capaz de substituir o mercado, estabelecendo preços relativos consistentes para um amplo conjunto de produtos e serviços, sem ameaçar a continuidade da densa cadeia produtiva que é a economia. Foi porque os governos tentaram fazer isso nos países do Leste que o socialismo fracassou. E vai fracassar na Venezuela. Correio Braziliense
Carlos Pio - Cientista político, professor de economia política internacional da Universidade de Brasília e pesquisador visitante da University Oxford, Inglaterra
Os leitores já pararam para pensar que nos países capitalistas, normalmente, não faltam produtos, não se formam filas quilométricas e as Forças Armadas não precisam ser convocadas para “conter a especulação” ou “garantir o acesso da população aos bens de primeira necessidade”? Que não há crise de abastecimento no capitalismo — e tampouco crise de fome? Por que será, então, que ao pôr em prática o decreto que desvaloriza o câmbio nominal em mais de 100% e cria taxas diferentes entre produtos considerados “de importação prioritária” e “supérfluos” o coronel Hugo Chávez optou por convocar as Forças Armadas para garantir o abastecimento?
A resposta é simples: a Venezuela não é mais um país capitalista (e nem democrático, diga-se de passagem!). Lá o governo estatiza empresas e bancos; intromete-se nos contratos privados; cerceia o direito de organização dos trabalhadores; adota política econômica irresponsável, que exagera gastos e reduz impostos, para comprar votos dos pobres e enriquecer os amigos; fixa preços; fixa o câmbio; oferece ajuda externa acima das capacidades do país; deixa o crime crescer e a infra-estrutura piorar; politiza a cartilha escolar; persegue adversários; fecha canais de televisão e rádio. E as notícias das últimas semanas atestam que Chávez quer aprofundar essas escolhas.
Alguém investiria o próprio dinheiro num país desses? Sem investimento privado, caem a oferta e a produtividade (eficiência), aumentam os preços (inflação) e caem as exportações, aumenta o desemprego e formam-se gargalos na economia. Não há prosperidade no fim desse túnel.
Inflação e desvalorização cambial são, a rigor, a mesma coisa: medidas da perda de valor real da moeda. Inflação é a corrosão desse valor pela elevação dos preços domésticos. Produtos e serviços mais caros significam maior custo de vida e maiores custos de produção. É a queda do poder de compra da moeda. E é apenas natural que essa queda seja acompanhada pela correspondente queda do poder de compra no exterior — em relação a bens, mas também às próprias moedas estrangeiras.
Por um lado, a desvalorização da moeda era inevitável e desejável. Apesar dos ganhos com exportações de petróleo, o país não conseguiria conviver por muito mais tempo com o crescimento das importações — as reservas de moeda estrangeira desapareceriam. No curto prazo, o efeito da desvalorização é positivo: as importações ficam mais caras (em bolívares) e devem cair; os produtos locais ficam mais baratos (em dólares) e devem crescer. No entanto, com o tempo esse efeito da desvalorização vai se perder. Importações essenciais — por exemplo, alimentos — também ficarão mais caras e seus preços tendem a se difundir pela economia, provocando mais inflação no futuro. E inflação provoca depreciação do câmbio, o que requer mais desvalorizações (e mais inflação...). Para ser efetiva e sustentável, a desvalorização precisa ser acompanhada de políticas capazes de fazer a economia crescer sem inflação.
A saída correta seria aumentar as liberdades de todos: preços livres, câmbio livre, importação livre, garantias à propriedade privada, desregulação da economia — sem falar nas garantias à vida e à participação política. Só assim cada venezuelano receberia bons incentivos para investir e produzir mais e, agindo assim, elevaria a eficiência e a competitividade da economia. Mas Chávez é contra.
Há alguma chance do decreto restaurar as bases de uma economia sólida e próspera? Infelizmente, não. Em breve constataremos mais inflação, mercado paralelo, contrabando e sonegação fiscal. Essa crescente desorganização da economia provocará mais descontentamento social e intensificação de manifestações políticas contra Chávez. Isso porque nenhum governo é capaz de substituir o mercado, estabelecendo preços relativos consistentes para um amplo conjunto de produtos e serviços, sem ameaçar a continuidade da densa cadeia produtiva que é a economia. Foi porque os governos tentaram fazer isso nos países do Leste que o socialismo fracassou. E vai fracassar na Venezuela. Correio Braziliense
Carlos Pio - Cientista político, professor de economia política internacional da Universidade de Brasília e pesquisador visitante da University Oxford, Inglaterra
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