Palanquismo vazio

Ao mesmo tempo em que fogem do debate, candidatos usam recursos públicos para antecipar campanha

Não existe, por parte do presidente da República, mais nenhuma preocupação de manter, nem mesmo nas aparências, a compostura no que se refere ao processo eleitoral e à sua própria sucessão. Espera-se de um chefe de Estado, se não um comportamento exemplar, que demonstre em suas ações ao menos zelo pelo dinheiro público e respeito institucional pelo cargo.

Nada disso está presente nas cenas, cada vez mais rotineiras, em que Luiz Inácio Lula da Silva surge fazendo propaganda país afora com a ministra Dilma Rousseff a tiracolo. A pretexto de inaugurar obras, o que há, na verdade, é a legitimação de uma espécie de palanquismo itinerante patrocinado pelo contribuinte. Editorial da Folha de São Paulo

Tais abusos de campanha antecipada se valem de brechas na legislação, incapaz de conter o uso da máquina pública e a propaganda antes que o processo eleitoral seja oficializado.

Estão previstas até o fim de fevereiro nada menos que 11 inaugurações em sete Estados com as participações do presidente e da chefe da Casa Civil. Anteontem, por exemplo, Lula e Dilma estavam novamente juntos no interior de Minas Gerais. "A única coisa de que eu tenho certeza é que nós vamos fazer a sucessão presidencial. Que me desculpem os adversários, mas nós vamos ganhar para poder ter continuidade", discursou o presidente no Vale do Jequitinhonha.

Antes dele, a ministra-candidata havia usado outra inauguração para admoestar o PSDB: "O próprio presidente do partido de oposição disse que acabaria com o PAC porque o PAC não existe". As perguntas que se impõem aqui são as mais óbvias: estamos ou não diante de um ato de campanha eleitoral? O dinheiro público deve servir a esse tipo de proselitismo? Isso não compromete o pressuposto da igualdade de condições entre candidatos?

Acrescente-se que essa retórica de comício quase nada contribui para o esclarecimento do que cada postulante à Presidência pensa e propõe para o país.

O mesmo raciocínio se aplica ao governador José Serra, cujo hábito de terceirizar para outros tucanos críticas ao governo Lula já entrou para o folclore político. Assim como o PAC serve de trampolim a Dilma, o governo de São Paulo irá exibir, nos próximos cinco meses, uma série de campanhas publicitárias, que oficialmente devem "prestar contas" da gestão tucana.

Nada disso é ilegal, mas cabem aqui outras perguntas: não se trata de campanha antecipada? E será esse o melhor destino do dinheiro público? O Orçamento do Estado com publicidade para 2010 está estimado em R$ 204 milhões. Seria mais razoável se esse gasto ficasse restrito às campanhas de utilidade pública.

Não tem faltado aos candidatos iniciativa para dispor das estruturas do Estado e dos recursos públicos a fim de obter dividendos eleitorais. Não se vê a mesma disposição para o debate.

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