Revisões radicais

Na história brasileira não houve precedente de revisões radicais, que transformassem vencidos em vencedores e que lhes permitissem rendosas indenizações por atos e fatos de lutas civis ocorridas dezenas de anos antes.

Após a proclamação da República, gerada por um golpe militar, não se tem notícia de monarquistas que se considerassem injustiçados e pretendessem ressarcimento por violências dos governantes republicanos. O próprio Pedro II recusou a verba que lhe quis destinar o marechal Deodoro. Nem as famílias dos fuzilados de Anhatomirim, em Florianópolis, ou da Serra da Graciosa, no Paraná, ou dos degolados do Boi Preto, jamais buscaram nada do Tesouro público, a título de reparação. Todos se consideraram protagonistas de um evento histórico de momento conturbado, em que as responsabilidades civis se diluíam com a mesma incerteza das calamidades da natureza e da força maior. Por Sérgio da Costa Franco*

Depois de 1930 e da anistia votada pela Constituinte de 1933/34, encerrou-se o assunto e ninguém falou em indenização por injustiças sofridas durante o processo insurrecional ou no ciclo dos levantes tenentistas que o precederam. Até porque o presidente Vargas instituiu a prescrição quinquenal de todos os créditos junto à Fazenda Pública. Protegeu, assim, o erário contra assaltos extemporâneos de sedizentes vítimas de agravos e injustiças.

Cremos que existia outrora a consciência de que as atividades políticas envolviam riscos previsíveis, mormente quando insurrecionais, e prescindiam de vantagens econômicas. O patriotismo parecia incompatível com posturas mercenárias.

Assim não entendeu, entretanto, a esquerda revolucionária que o golpe militar de 1964 derrotou. E as reabilitações, reparações e ressarcimentos atingiram níveis jamais imaginados. Um cadete expulso da Escola Militar em 1935 por envolvimento na intentona comunista, terminou aposentado com proventos de coronel, 60 anos depois da punição e de uma tranquila e vitoriosa atividade como civil. As indenizações calculadas pelo vitimismo excederam tudo quanto se poderia imaginar como saque ao Fisco.

Todavia, o assalto não foi suficiente para saciar o apetite das esquerdas rebeldes. Pretende-se agora reprisar o processo dos conflitos que sucederam ao golpe de 1964, ressuscitando os temas da Guerra Fria, com intuito evidente de glorificar Marighelas, Lamarcas e seus desastrados seguidores.

Apesar da coragem e da audácia que ninguém lhes nega, os esquerdistas revolucionários do período da ditadura militar jamais contaram com apoio popular e inegavelmente retardaram o processo de restauração do Estado de direito. A retomada democrática na verdade se iniciou em 1974, quando se viu no MDB um instrumento eficaz para o restabelecimento da vida republicana, ao impor severas derrotas eleitorais ao oficialismo. Os guerrilheiros de Caparaó, de Iguape ou do Araguaia, bem como os sequestradores e assaltantes das áreas urbanas, não ajudaram em nada a democratização. Agora, decênios depois, querem que se escreva uma nova história, na qual pretendem aparecer como vítimas inermes da truculência ditatorial. Sem deixarem de morder, é claro, o dinheiro dos contribuintes...
Jornal Zero Hora

* Historiador

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