é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro
raquino@edglobo.com.br
Primeiro levaram os jornalistas. Mas não me importei com isso. Eu não era jornalista. Em seguida levaram alguns estudantes. Mas não me importei com isso. Eu também não era estudante. Depois prenderam os empresários. Mas não me importei com isso. Porque eu não sou empresário. Depois agarraram uns intelectuais, cineastas, compositores, blogueiros. Mas, como tenho meu emprego, também não me importei. Agora estão me levando. Mas já é tarde. Como não me importei com ninguém, ninguém se importa comigo.
Esse texto não passa de uma paródia. Inspirada em três versões famosas do Poema da omissão. Esses versos de resistência à repressão são atribuídos ao poeta russo Vladimir Maiakóvski, ao dramaturgo Bertolt Brecht e ao pastor Martin Niemöller. Inimigos da liberdade podem ser comunistas, fascistas ou nazistas. Na primeira noite, colhem uma flor em nosso jardim. Na segunda, matam nosso cão. No fim, nossa voz é arrancada da garganta. E, porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada.
Para quem ainda acha que ditaduras de uma cor são mais aceitáveis que outras..., para quem ainda acha que deve ser punido com prisão o delito de opinião ou que a liberdade de se expressar é um bem supérfluo, a próxima semana é um bom momento de reflexão. Comemora-se – se assim podemos dizer – o aniversário do golpe militar de 1964.
O governo do presidente Lula – por meio de sua Secretaria de Direitos Humanos – lançou na semana passada o livro Luta, substantivo feminino. São histórias de 45 brasileiras mortas ou desaparecidas durante o regime militar. E depoimentos de 27 sobreviventes, que resistiram à ditadura em grupos armados ou não. Elas descrevem torturas, choque elétrico, pau de arara, insultos, estupros, abusos sexuais. Algumas estavam grávidas e outras amamentavam.
No livro, não aparece a mais ilustre das guerrilheiras sobreviventes, a ministra Dilma Rousseff, candidata à Presidência. A omissão foi deliberada, para que a inclusão de Dilma não fosse explorada politicamente em ano eleitoral.
Para mostrar sensibilidade com direitos humanos, basta
Lula pedir a Fidel e Raúl que a deixem viajar
Deduz-se de tudo isso – e do passado do presidente – que Lula seja especialmente sensível às violações de direitos humanos. É impossível alguém esquecer que foi preso e intimidado por pensar diferente, por discordar, por ser oposicionista. Deduz-se que Lula condene covardias com mulheres e que seja a favor do direito de ir e vir.
O presidente brasileiro tem excelente oportunidade para praticar essa sensibilidade. Como o jornalista Juliano Machado revelou em primeira mão em epoca.com.br, a cubana Yoani Sánchez enviou carta a Lula pedindo que use sua influência sobre os irmãos Fidel e Raúl Castro para ajudá-la a conseguir autorização para vir ao Brasil. Yoani é a blogueira famosa por furar a censura do regime castrista. É convidada especial ao documentário brasileiro sobre liberdade de expressão que será lançado em junho na Bahia. Mas, nos últimos anos, foi impedida de deixar Cuba ao menos quatro vezes. (Leia a reportagem sobre a carta de Yoani para Lula)
Ficará esquisito o Palácio do Planalto insistir que Lula não recebeu a carta, datada de 14 de março. Nela, Yoani diz: “O senhor estaria pedindo aquilo que, para qualquer brasileiro – e para qualquer ser humano –, é um direito inalienável”.
Todos nós, brasileiros, nos sentimos aliviados por viver numa democracia. Não somos a Venezuela, que continua a prender quem se atreve a “vilipendiar” Hugo Chávez. Não somos a China, onde o Google decidiu finalmente não se submeter à censura do dragão. Tampouco estamos no Irã, onde a bela Neda, de 27 anos, morreu com um tiro no peito em manifestação – seu noivo, Makan, está exilado no Canadá.
É pena que Lula continue a enxergar apenas “má-fé” na mídia. A mesma mídia que comemorou sua eleição histórica. A mídia que divulga suas conquistas e suas críticas aos jornalistas. Lula quer manchete, mas só de louvação. Como acontece na imprensa oficial cubana ou venezuelana.
É uma boa data, presidente, para homenagear a liberdade de expressão. E para dizer a Yoani que, sim, o Brasil pode ajudá-la a sair da ilha para vir à Bahia.
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