Finório

O velho Agapito, carpinteiro habilidoso, sofria de solidão. Para minorá-la,
construiu dois bonecos de madeira, que chamou de Finório e de Finória, para
serem seus companheiros. Por interferência da Fada Boa, os bonecos ganharam
vida, mas, para se tornarem completamente humanos, precisavam não mentir e
distinguir o certo do errado, ou seja, mostrar caráter e discernimento. Caso
fracassassem nesse intento, voltariam a ser bonecos de madeira.
Por esse motivo, Agapito dedicou seus últimos anos de vida a ensinar valores
aos dois bonecos, a cada dia mais humanos.
Com a morte do velho artesão, no entanto, esqueceram os ensinamentos e,
confiantes no perdão da Fada Boa, passaram a exibir suas fraquezas, cada vez
mais evidentes.
Gen Div Purper Bandeira

Finório virou líder sindical e, após muito tempo sem trabalhar, político
profissional, chegando à Presidência da República.
Especializou-se em mentir, o que lhe rendeu frutos de sucesso e convenceu-o
de que estava acima do bem e do mal. Assim, nega o conhecimento de tudo que
possa prejudicá-lo, acoberta e perdoa os crimes e roubos dos comparsas,
compra apoio político com verbas públicas e cargos na máquina estatal,
aparelha as autarquias e agências governamentais com cúmplices de seu bando
e mente, e mente, e mente...

Mente quando destrata os críticos que atacam os programas sociais que
criou,apesar de tê-los condenado enfaticamente quando militava na oposição
raivosa; mente quando se apropria de ideias e de projetos de governos
anteriores, apresentando-os como seus; mente quando se mostra como figura
messiânica, dizendo, em seus improvisos inconsequentes, que "nunca antes na
história desse país" alguém fez tanto pelo povo; mente quando, empolgado
pela própria propaganda, afirma que a descoberta de campos petrolíferos
marítimos a grandes profundidades, conhecidos há mais de vinte anos, são
obra sua, só faltando dizer que os encontrou mergulhando pessoalmente
naquelas águas; mente quando insinua que esses recursos estarão disponíveis
logo, colhendo dividendos políticos dessa mentira e escondendo que os
primeiros resultados sólidos da exploração dos mesmos só serão visíveis no
final da próxima década, se tudo correr bem e os enormes desafios
financeiros e tecnológicos forem vencidos sem grande atraso; mente quando
defende políticos demagogos, nepotistas e desonestos, adversários da
véspera, chegando a afirmar que, como ele, não são pessoas comuns, logo,
estão acima da aplicação da lei destinada aos demais mortais; mente ao
prometer a cada audiência exatamente o que ela quer ouvir, sem nenhuma idéia
de cumprir a promessa; mente ao exagerar o número de indigentes do país,
para alardear progressos sociais inexistentes, supostamente decorrentes de
sua ação; mente quando declama amor à democracia, quando seu modelo
democrático é Cuba e, ultimamente, o Irã, e seu sonho é governar sem
oposição e com a imprensa calada ou subserviente; mente quando apelida de
"movimentos sociais" os bandos de criminosos que assolam o campo e as
estradas do país, e os financia e incensa, desde que não ataquem seu governo
e sejam dócil massa de manobra a seu comando; mente quando...

E quanto a Finória? Vai no mesmo rumo.
Após um início pouco lembrado como terrorista e guerrilheira, também
ingressou na política, chegando a Chefe da Casa Civil do governo de Finório,
cujos passos segue e a quem pretende substituir no comando do país. Por
enquanto, ainda se comporta como marionete do mandatário parlapatão (para
empregar um termo em moda), mas não há dúvida de que tem autonomia para
vôos solo, que serão cada vez mais audaciosos, respeitando, é claro, o estilo e
as mentiras do antecessor, cuja popularidade incrível pretende herdar.
Apesar de sua conhecida grosseria, tem a mesma visão complacente para com
os erros dos companheiros de viagem, enquanto lhe forem úteis, afagando-lhes
os egos quando lhe convém, e afastando os que não se submetem aos seus
desígnios. Para tal, também mente e mente...

Mente quando organiza "dossiê" sobre gastos pessoais de ex-presidente e
o batiza de "base de dados", como se a forma do documento mudasse sua
finalidade; mente quando insere dados falsos em sua biografia oficial,
trombeteando títulos acadêmicos que nunca possuiu; mente quando nega
reunião com funcionária que tentava pressionar para concluir com rapidez as
investigações sobre crimes fiscais cometidos por filho de antigo inimigo
político de Finório, que este ofendeu o quanto pode, agora convertido em
amigo de infância e grande democrata; mente quando inaugura obras não
concluídas, dentro de um programa mal explicado e mal conduzido,
propositalmente sem metas claras para que não possam ser cobradas; mente
quando infla os números das realizações ilusórias que se atribui, como o
mirabolante projeto de construção de um milhão de imóveis residenciais e,
quando confrontada com informações diferentes, desconversa, desvia o olhar
ou agride o interlocutor para colocá-lo na defensiva e mudar o rumo do
debate; mente até na sua aparência física, recorrendo a cirurgia plástica
para apresentar aos futuros eleitores uma fisionomia rejuvenescida, menos
sisuda e mais simpática, além de uma silhueta mais esguia e elegante; mente
quando...

Não se pense, contudo, que os dois são execrados por isso. No circo onde
trabalham, compraram o aplauso de uma claque composta pela facção mais
desinformada da platéia, que pagam com sacos de pipoca e ingressos
gratuitos. Contam, também, com o apoio de alguns vizinhos: o dono do posto
de combustível da esquina (figura histriônica sempre de boina vermelha,
falando sem parar), o índio traficante de coca da área e o montanhês
simplório que faz malabarismo na rua.

Há quem espere que a Fada Boa, cansada da indiferença de Finório e de
Finória quanto à prática dos valores da verdade, do discernimento e da
ética, devolva-os à situação de bonecos de madeira, da qual conservam até
hoje a cara de pau que ostentam. Os pessimistas, no entanto, insinuam que a
Fada Boa, cooptada, encontra-se encastelada num dos incontáveis órgãos com
"status" de ministério, a Secretaria de Sonhos e de Boas Intenções, da cota
do PT. Fonte -
Ternura

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