Enquanto prossegue a contagem dos mortos, Dilma conta vantagem

Por Augusto Nunes - Veja Online
Quem ensinou a Dilma Rousseff que carranca não rima com política precisa explicar-lhe urgentemente que, em certas ocasiões, a mostra de todos os dentes pode ser mais perturbadora que a pose de professora de matemática que reprova até gênio da raça. Foi assim na visita ao túmulo de Tancredo Neves, quando a candidata em campanha resolveu estrear num cemitério o sorriso de aeromoça de Tupolev soviético. Foi assim na quinta-feira, quando reprisou a alegria fora de hora na visita ao do novo Centro de Operações do Rio.

Enquanto prossegue a contagem dos mortos na Região Serrana, a presidente, escoltada pelo também sorridente Sérgio Cabral, gastou o dia contando vantagem em parceria com Eduardo Paes. Teve de conter a euforia ao ouvir que a cidade será monitorada 24 horas por dia pelo centro, concebido para identificar a tempo quaisquer perigos que possam resultar em situações de emergência. Desastres naturais semelhantes ao que devastou a Região Serrana, por exemplo, serão detectados com dois dias de antecedência.

“Aqui estamos vendo o futuro: vocês estão um passo à frente do Brasil”, festejou Dilma Rousseff. É outro palavrório cretino, mas não deixa de fazer sentido. Por estarem um passo à frente do resto do país, os cariocas terão 48 horas para tentar salvar-se por conta própria, simultaneamente, do dilúvio e da incompetência dos pais-da-pátria — uma associação letal cujo poder de fogo os habitantes da Região Serrana descobriram tarde demais. Todos já sabem que é inútil pedir socorro ao socorro. Melhor rezar para não chover.

O Sistema Nacional de Defesa Civil inventado por Lula só existe na papelada registrada em cartório que descreve um país do faz-de-conta. O Sistema Nacional de Prevenção e Alerta de Desastres Naturais prometido por Dilma vai demorar pelo menos quatro anos. Se o Centro de Operações do Rio localizar uma tragédia em gestação, restará ao governo federal solidarizar-se antecipadamente com as famílias atingidas pela catástrofe.

Nas quinta-feira, Dilma, Cabral e Paes não tinham tempo a perder com os mortos da Região Serrana. (Eram 847 no fim da tarde de sexta-feira. Logo passarão de mil). Merecem prioridade os parceiros muito vivos da Fifa e do Comitê Olímpico. A festinha no Centro de Operações foi montada para convencer cartolas e turistas de que a cidade mais bela do mundo é também a mais segura — e está pronta para a Copa do Mundo e a Olimpíada. Com chuva ou sem chuva.

O espetáculo do cinismo e da ganância não pode parar, confirma o sorriso dos artistas. Todos exibem a expressão serena de quem caminha por verdes campos de dólares ou descansa à sombra das licitações em flor.

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