Não, eu não vou desistir de defender o estado de direito!

Escrevi o texto que vai abaixo às 17h30 de ontem. Eu o mantenho aqui no alto porque julgo que algo grave está em curso. Não nos deixa a todos mais pobres de recursos, a exemplo das sacanagens do Dnit, mas nos deixa mais pobres de democracia. De violação em violação aos códigos legais, acabaremos nos transformando num país sem lei. O pior é que não são poucos os que defendem que, sob certas circunstâncias, o desrespeito à Constituição se faz necessário. Num dos posts abaixo, vocês verão que agora é o Ministério da Justiça a impor uma forma velada de censura prévia. Há leitores que dizem que estou superestimando o caso. Não estou, não. Quem condescende com uma violação ao estado de direito, pouco importa o pretexto, condescende com todas. A questão é incômoda — e daí decorre o silêncio covarde de muitos? É, sim! Mas eu não tenho receio do incômodo. Se não for para ser assim, melhor tomar suco de laranja em vez de participar do debate público. Esse caso é mais importante do que as diatribes do Apedeuta. Um dia esse cara passa. Eu estou preocupado com o que fica.
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Censura? Não contem jamais comigo! Ou: há gente que andou exagerando na banana…

Sei não… Acho que algumas pessoas andaram comendo muita banana. A questão relevante sobre “A Serbian Film - Terror Sem Limites” — escrevi a respeito na madrugada — é de censura prévia, que é inconstitucional. Se o ex-prefeito Cesar Maia e o DEM do Rio acham que ele agride, sei lá, o Estatuto da Criança e do Adolescente e os valores da família, certamente haverá maneira de proteger as duas coisas sem ferir um dispositivo constitucional.

Acho, se querem saber, uma suprema ousadia que se conceda uma liminar, mantida por instância superior, contra um dispositivo claríssimo da Constituição, que veta a censura prévia. Sim, queridos! O próprio STF desrespeitou, a meu ver, a Carta no episódio da união civil entre homossexuais. Se ele pode, então tudo passa a ser permitido, não é mesmo? Essa é a questão de fundo.

Eu nem entrei no mérito do filme, reitero. Por tudo o que li, parece-me só uma bobajada asquerosa. Mas censura antecipada? Isso é coisa de ditadura, não de democracia — nesse caso, com laivos do politicamente correto, que se cruza, nas franjas do discurso, com o combate à pedofilia, que é, evidentemente, uma boa causa.

Mas é preciso tomar cuidado! Sob certo ponto de vista, uma obra-prima como Lolita, de Nabokov, teria de ser proibida no Brasil em nome da aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente. A enteada que atormenta o padrasto com a sua tenra juventude tem… 12 anos! Se um professor recomendar Lolita a alunos do sexto ou sétimo ano do ensino fundamental, é provável que seja um pervertido e que mereça que lhe quebrem a fuça. Caberia perguntar qual a sua intenção pedagógica. Como literatura, a obra tem de estar disponível a quem se disponha a lê-la. Aliás, eu a recomendo vivamente — não a pervertidos, que não precisam de boa literatura para se regalar.

Vamos devagar com o andor, aí, que a santinha da liberdade de expressão é de barro. Não pensem que ela corre riscos apenas nas ditaduras de molde clássico, lideradas por um tirano. Em tempos politicamente corretos — e se nota que a tentação da censura não é só das esquerdas, como prova o DEM do Rio —, os ditos “valores consensuais” podem significar uma interdição à livre circulação das idéias.

O tal filme sérvio foi censurado, por exemplo, na Noruega pouco tempo antes de aquele delinqüente executar 76 pessoas. Dado o seu manifesto estúpido, é provável que ele julgasse que se fez a coisa certa… Talvez considerasse manifestação de degenerados…

Eu sei que confundo um tantinho a cabeça de muita gente. O fato de eu incentivar, com ênfase, que as pessoas se organizem para defender seu ponto de vista e para confrontar os valores hegemônicos da esquerda não me leva, jamais!, a flertar com um ente de razão estatal que determinasse, de antemão, o que pode e o que não pode ser veiculado — ainda que tal órgão comungasse dos meus valores. Isso é coisa de fascistas de esquerda ou de direita. Eu sou um democrata — “de direita”, dizem alguns esquerdistas, muitos deles amantes da censura, desde que por uma “boa causa”, claro…

Meu papo é outro. Lembro-me das polêmicas em torno do filme “Je Vous Salue, Marie”, de Godard, e do livro “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, de Saramago, duas tolices bastardas sobre o cristianismo, típicas de autores movidos pela ignorância de mérito. Que católicos tenham se mobilizado contra um e outro, eis um direito e, em certa medida, até um dever. Mas é inaceitável, numa sociedade democrática, que se impeça a exibição de um (como chegou a acontecer com o filme no Brasil, há muitos anos) ou a venda do outro.

Eu sou favorável ao confronto claro e aberto de idéias e de opiniões; repudio a tentativa de impedir o outro de falar na suposição de que um valor cultural ou ideológico é uma verdade natural, sobre a qual não cabe contestação. Até porque eu próprio sou vítima dessa patrulha — não estou reclamando de nada porque sei me defender. Aliás, a ideologia tornada uma “verdade natural” está na raiz do meu rompimento com a esquerda, já lá se vão vinte e tantos anos, caminhando para 30.

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