Nana Queiroz - VEJA
Descendente de Simón Bolívar arregaça as mangas para derrotar Chávez em 2012 (Aline Lata)
"Na Venezuela, a reeleição tem sido, ao longo dos anos, mais um problema que uma solução. Por essa razão propomos que a reeleição, ao menos para o cargo de presidente, não seja autorizada."
Desde que anunciou que estava com câncer, Hugo Chávez viu sua popularidade subir na Venezuela. Segundo pesquisa do instituto Datanálisis divulgada na terça-feira, a aprovação de seu governo subiu 10 pontos porcentuais entre julho e setembro, alcançando 58,9%. Entretanto, a doença, cujos detalhes seguem sendo tratados como segredo de estado, não deve ser suficiente para reeleger (mais uma vez) o caudilho - que governa o país com mãos de ferro há 12 anos. Seis em cada dez venezuelanos preferem que o ditador não continue no poder por mais longos seis anos, informa o diretor da empresa responsável pelo levantamento, Luis Vicente León. O tirano de 57 anos está de olho em um quarto mandato - assumiu pela primeira vez em 1999 e foi reeleito em 2002 e 2006 - nas eleições de outubro do próximo ano, quando enfrentará o candidato da oposição que ganhar as prévias de fevereiro.
Um de seus principais adversários é Leopoldo López, com quem trava uma batalha que já envolveu até a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Às vésperas de uma eleição em que era o candidato favorito para a prefeitura da capital Caracas, em 2008, López recebeu uma carta do governo proibindo-o de concorrer a qualquer cargo por suspeita de corrupção. Porém, a acusação parou por aí e seu caso jamais foi levado à Justiça - como manda a Constituição. Descendente do herói nacional Simón Bolivar (militar que liderou a independência da Venezuela e que dá nome inclusive à revolução do próprio Chávez), López se diz mais uma vítima de perseguição política. Com mestrado na Universidade de Harvard (EUA) e o sorriso de um galã venezuelano, o político de 40 anos tem esperança de driblar os obstáculos impostos pelo governo e vencer as primárias para ser o candidato que, enfim, vai tirar o caudilho do poder. Na avaliação dele, a oposição nunca esteve tão unida neste objetivo e, por isso mesmo, as chances de vencer o pleito de 2012 são grandes. "Sinto que tenho forças para derrotar o presidente Chávez nas urnas", destacou, confiante, em entrevista ao site de VEJA, durante sua passagem pelo Brasil nesta semana. Confira os principais trechos da conversa:
O senhor sente que a Venezuela vive uma ditadura? Ninguém pode dizer que a Venezuela é uma democracia. Eleições não são o único componente de uma democracia. Hoje, não existe em meu país uma autonomia dos poderes públicos. Posso te dar um exemplo muito revelador: não houve uma única decisão do Supremo Tribunal, nos últimos anos, que não tenha favorecido o estado. Temos visto sindicalistas presos por sair para protestar. Temos assistido ao fechamento de canais de televisão, jornais e estações de rádio. Também são ameaçados aqueles que compram espaço publicitário de determinados veículos de oposição ao governo, o que alimenta a autocensura. Há uma enorme arbitrariedade das autoridades na confiscação de bens, sem seguir o que mandam as leis. Há corrupção por todos os lados e nada se faz a respeito. No ano passado, deixaram apodrecer 130.000 toneladas de comida comprada com dinheiro público sem achar um único responsável. Enfim, os direitos dos cidadãos da Venezuela estão seriamente ameaçados.
O seu caso é mais um exemplo da ausência de uma democracia? Claro que sim. É um caso em que se está violentando a Constituição. Nossa Carta Magna determina que só se pode impedir uma pessoa de concorrer às eleições depois de ela ser condenada em um processo penal. E eu jamais fui sequer apresentado diante de um tribunal. Tinha, isso sim, quase 70% de apoio popular para ser o prefeito da cidade de Caracas, o segundo cargo mais importante da Venezuela hoje. Apenas alguns meses antes da eleição, recebi um papel assinado por um funcionário público que me tornava inelegível a qualquer cargo. Se quem está no poder pode dizer quem vai e quem não vai concorrer ao poder, existe um sinal claro de pouco respeito à democracia. É como disputar a Copa do Mundo desclassificando Brasil, Argentina e Espanha.
O senhor chegou, inclusive a recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Sim, fui amparado no direito constitucional que tem todo cidadão venezuelano de recorrer às instâncias internacionais. A Corte é a máxima instância de direitos humanos do continente. Não é qualquer corte. É a mesma que condenou os crimes de Augusto Pinochet, no Chile, e Alberto Fujimori, no Peru. Tem a carga de ter contribuído com o avanço da democracia em todo o continente. Ali, conseguimos uma vitória. E foi a primeira vez que essa corte analisou um caso político seguindo a interpretação de que direitos políticos são parte dos direitos humanos. E essa decisão foi rejeitada pelo governo venezuelano. A Venezuela assinou essa convenção de direitos humanos. Mas, em vez de garantir o que estabelece nossa constituição, que a Corte Interamericana tem hierarquia sobre a lei, o poder público questionou a capacidade desses juízes, da mesma forma como Pinochet fazia no Chile e Fujimori no Peru.
E se o colocarem na Justiça? Darei as caras. O único delito que cometi foi ter conquistado 70% de apoio popular. Não sou o único que foi destituído com um caso inventado porque o governo perderia a eleição. O aparato midiático do estado está montado para nos assassinar moralmente. Acusam-nos de ser lacaios do império, narcotraficantes, de trabalhar para a CIA (inteligência americana). Mas, apesar de tudo isso, a oposição segue avançando e conquistando apoio popular. Já podemos ganhar as eleições de 2012.
E se o senhor não for autorizado a concorrer de novo? Eu gostaria de ganhar as primárias. Sinto que tenho forças para derrotar o presidente Chávez nas urnas. Mas não importa quem seja o candidato da oposição, ele terá a obrigação de criar um programa que nos obrigue a ir juntos ao processo eleitoral. Algo importante aconteceu na Venezuela nos últimos meses: a oposição está mais unida do que nunca. Estamos mais coesos não só em plano político, mas em visão de país. Assinamos um documento há dez dias em que estabelecemos o que queremos em termos econômicos, sociais, de relações internacionais e etc. Elevamos a unidade a um nível superior que o de uma mera aliança eleitoral.
Derrotar Chávez é o mais importante? Não, mudar essa Venezuela é o mais importante. O nosso desafio agora é encontrar os grandes temas que nos unem. Em uma família, nem todos pensam igual - e nem pretendemos isso. Somos democratas, admitir ideias diferentes é parte disso.
O senhor é a favor da reeleição sem limites? Isso é um dos maiores males de que sofre a Venezuela e a América Latina em geral. Nosso compromisso hoje é: se eleitos, governaremos por um só mandato de seis anos, o que já é bastante. Que se faça um projeto que possa transcender seis anos, claro, mas que não conte com uma só pessoa para ser levado adiante. Na Venezuela, a reeleição tem sido, ao longo dos anos, mais um problema que uma solução. Por essa razão propomos que a reeleição, ao menos para o cargo de presidente, não seja autorizada.
A doença de Chávez pode mudar algo nas próximas eleições? Como todos os venezuelanos, não tenho muitas informações sobre a doença de Chávez e nem sei do que ele sofre. Somos humanos e adoecer não é um pecado. Mas Chávez faz questão de gerar incerteza e instabilidade ao redor disso, o que é uma grande irresponsabilidade. O que posso dizer é que mesmo que ele não seja o candidato do "oficialismo", continuaremos com nosso programa.
Há esperanças reais para a oposição em 2012? Claro que sim. Mais do que nunca. Estamos cheios de otimismo. Já erramos muito e reconhecemos nossos erros. Passamos de um programa antigoverno a um programa de futuro para os venezuelanos. Hoje, não nos importa mais quem vai governar o país, mas sim conquistar uma nova maioria para mudar a Venezuela.
O senhor pretende usar o fato de ser descendente de Simón Bolívar a seu favor? É um feito do qual não posso nem me envergonhar nem me gabar. Mas não usarei isso na minha campanha. Está na hora da Venezuela deixar de ser obcecada pelo passado para sair à conquista do futuro.
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