ANTONIO
VIEIRA
O ministro Roberto
Barroso quer banalizar as graves questões do mensalão equiparando-as às
incivilidades costumeiras do nosso dia a dia. Francamente, sua leitura
hermenêutica do cocô do cachorro não honra tão grande fama e talento alardeados
no meio jurídico.
Na história da
humanidade há uma conduta recorrente, observável em todos os tempos e em todos
os lugares: a tentativa de consumar a apropriação de bens e valores
pertencentes aos outros. Tais bens e valores podem ser reais, tangíveis ou
mesmo simbólicos e intangíveis. Riquezas materiais, mulheres, glória e
honrarias já foram, e ainda o são, obtidas quer por meios lícitos quer por
meios condenáveis. Porém, a repressão, maior ou menor, dos comportamentos
repudiados permite configurar o estágio de civilização ao qual um determinado
povo chegou. Subjacente a tal dinâmica está a cobiça do homem, cujos olhos
nunca se satisfazem, tal qual o abismo e o inferno, que nunca se fartam (está
lá nos Provérbios). Há exemplos sem fim.
Esaú foi fraudado pela
mãe e pelo irmão em seu direito à benção da primogenitura. Caim roubou a vida a
Abel. Os romanos tomaram as mulheres dos sabinos. Lusitanos invadiram as terras
dos nativos do novo mundo. Espanhóis saquearam a prata dos incas. Nazistas
vilipendiaram cadáveres de milhões de judeus para lhes arrancar obturações de
ouro. Multidões foram postas a ferros e trabalhos forçados na África. Crianças
ainda são utilizadas como soldados em guerras insanas. Mulheres sofrem
mutilações genitais e adúlteras continuam a ser lapidadas. A história da
humanidade é, de fato, um relato cumulativo de toda espécie de infâmias, de
crimes e de ignomínias. O barro de que somos feitos, definitivamente, não é
bom. Mesmo se considerarmos os sonhos como a matéria prima fundamental
(conforme queria Shakespeare), o elemento onírico fundante estaria, sim, mais
próximo dos piores pesadelos.
Frente a esse museu de
horrores, a única saída institucional digna é a democracia constitucional, com
seu indissociável respeito aos direitos humanos universais. Este artefato
político delicado e complexo, construído com o sacrifício de milhões de homens
e inumeráveis gerações, é um patrimônio da raça humana. Não pertence a um povo
ou a uma classe social específicos. A democracia constitucional é o maior dos
bens que a inteligência humana, em que pesem todas suas limitações, conseguiu
construir após milhares de anos sobre a superfície da Terra. É parte integrante
do meio ambiente pelo qual tanto se luta para defender e preservar (confira o
artigo 225 da Constituição Federal de 1988).
Não há sadia qualidade
de vida em regimes políticos de natureza autoritária ou totalitária. Atentar,
portanto, contra a democracia constitucional e seus fundamentos é um crime
contra a humanidade e contra a civilização. Em bem da verdade, o julgamento do
mensalão pelo Supremo Tribunal Federal deveria ser feito por um tribunal
internacional, como o foi o tribunal de Nuremberg para os nazistas, dadas sua
extensão e gravidade para a raça humana. Os mensaleiros não são meros
bucaneiros, ou simplórios ladrões, que sempre existiram desde os primórdios dos
tempos. Seus crimes são civilizatórios e ofendem o patrimônio ecológico da
humanidade. Não reconhecer isso significará um retorno à barbárie e à
selvageria.
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