O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, em uma entrevista coletiva. / MIGUEL GUTIÉRREZ (EFE)
Em um momento em que
Cuba, sua mais estreita aliada na região, relaxa as cinquentenárias restrições
para viagens ao exterior, a revolução bolivariana da Venezuela começa a
classificar seus cidadãos que voam para fora do país quase como traidores da
pátria. É o que se pode concluir pela divulgação feita pelo Ministério da
Comunicação e Informação (MinCl), na noite de primeiro de janeiro, de uma lista
de dirigentes oposicionistas que foram passar as férias de fim de ano em outros
territórios.
A titular da pasta é
Delcy Rodríguez, advogada por formação e irmã do atual prefeito do município de
Libertador (centro-oeste do Distrito Metropolitano de Caracas), ex-chefe de
campanha de Hugo Chávez e ex-presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE).
A ministra Rodríguez
quis ironizar o desapego dos líderes oposicionistas à terra natal,
perguntando-se em sua conta no Twitter: “Onde estará passando as férias a trilogia
do mal e a direção
opositora? Certamente não é na Venezuela!”. “Trilogia do mal” é o nome que o
governo cunhou nos meios de comunicação que controla para se referir a Henrique
Capriles Radonski – governador do Estado de Miranda (norte) e ex-candidato
presidencial –, à deputada María Corina Machado e ao ex-prefeito do município
de Chacao, também na região de Caracas, Leopoldo López.
Prosseguindo, a
integrante do gabinete ministerial comparou esses destinos com o do presidente
venezuelano, Nicolás Maduro: “O presidente operário recebeu o ano junto com o
povo, acompanhado do prefeito de Caracas e membros de seu gabinete nacional na
Praça Bolívar!”
O contraponto entre a
aparente frivolidade de alguns com a comprometida decisão de Maduro de
permanecer entre os seus poderia ter sido suficiente como uma figura de
retórica eficaz para expressar a posição política de sua autora. No entanto, as
mensagens da ministra Rodríguez adquiriram outro aspecto quando, em uma
publicação posterior, endossou uma lista com os dados de identidade, data de
saída e destino de 27 turistas que foram para o exterior, e que qualificou como
membros “da direção opositora”.
Fazendo uso do que se
presume seja informação procedente dos registros oficiais de migração, ela
informou o paradeiro dos integrantes da trilogia, Machado,
Capriles e López, que tinham viajado para Frankfurt, Nova York e Miami,
respectivamente. Mas na lista – reproduzida com rapidez pelos órgãos de mídia
do Estado – também incluiu nomes de personalidades públicas que dificilmente podem
ser descritas como líderes políticos. Tratam-se de casos como os do jornalista
Nelson Bocaranda, do proprietário das Empresas Polar – o maior grupo
empresarial privado do país –, Lorenzo Mendoza, e da ativista de direitos
humanos Rocío San Miguel. Esta última anunciou em sua conta no Twitter que
tomará medidas legais contra a ministra que, no seu entender, violou seus
direitos constitucionais de dignidade e privacidade.
Nesta quinta-feira, o
deputado governista Robert Serra tentou também, via Twitter, dar um último
reforço nessa campanha de descrédito contra os membros da oposição.
“Definitivamente não gostam nem de seu país”, escreveu. “Esses asquerosos falam bobagens do país e do governo
mas nem sequer desfrutam da própria pátria”.
A narrativa oficial
chavista procura mostrar os setores de oposição – os asquerosos – como apátridas que, cegos por ambições pessoais e
interesses de classe, obedecem às instruções de patrões estrangeiros. Ao
revelar os itinerários de férias desses líderes no exterior, o governo pretende
consolidar isso. Mas sendo um regime adepto da opacidade –– não presta
informações sobre os bens e rendimentos dos funcionários nem sobre o custo das
obras ou cessão de contratos, por exemplo – e com o incomum gesto de divulgar
publicamente e com intenções partidárias uma informação reservada do Estado,
parece ter outros objetivos.
O próprio presidente
Maduro se vangloria, em diferentes declarações, da capacidade de controle de
que seu governo dispõe para acompanhar os adversários políticos. Sendo assim, a
iniciativa da ministra Rodríguez poderia ser uma advertência sobre o
monitoramento que mantém sobre os líderes da oposição, os quais busca
intimidar.
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