Não há mais governo. Novas delações premiadas complicarão o cenário. Prováveis acusados buscam mecanismos para garantir o foro privilegiado

O GLOBO 
Marco Antonio Villa é historiador
O projeto criminoso de poder está com os dias contados. Deixa como legado escândalos e mais escândalos de corrupção, uma estrutura de Estado minada pela presença de milhares de funcionários-militantes, obras super-faturadas (e inacabadas) e um país paralisado. Sem esquecer que produziram a mais grave crise econômica do último quarto de século.
Ao longo de 12 anos, conseguiram organizar um aparato de proteção nunca visto na nossa história. Quiseram transformar as mais altas Cortes de justiça em braços do partido. Os meios de comunicação de massa foram sufocados pela propaganda oficial. Os bancos e as empresas estatais foram convertidos em correias de transmissão dos marginas do poder, como bem definiu, em um dos votos da Ação Penal 470, o ministro Celso de Mello. Não houve nenhum setor da sociedade sem que a presença do projeto criminoso de poder estivesse presente. Pelo medo, poder e omissão de muitos (empresários, jornalistas, políticos, intelectuais, entre outros), conseguiram impor a ferro e fogo sua política.
Deve ser recordado que, ao terminar seu segundo mandato, Lula era avaliado positivamente pela ampla maioria dos brasileiros. Diziam que seria candidato a secretário-geral da ONU ou a presidência do Banco Mundial. Tudo graças a sua sensibilidade social, aos êxitos econômicos e à preocupação com os mais pobres. Hoje, sabemos que no mesmo período o petrolão alcançou seu ápice e bilhões de reais foram roubados do Tesouro, no maior desvio de recursos públicos da história da humanidade. Os que denunciavam a pilhagem do Estado eram considerados enragés. Não foi nada fácil remar contra a corrente e enfrentar a violência governamental e de seus asseclas. Como em outros momentos da nossa história, já está chegando o dia de o passado ser reescrito. Muitos dos que se locupletaram vão se travestir em adversários ferrenhos do lulismo. Haja hipocrisia.
Vivemos a crise mais profunda dos últimos 60 anos. Em 1954, tudo acabou sendo resolvido em menos de três semanas, entre o atentado da Rua Tonelero (5 de agosto) e o suicídio de Getúlio Vargas (24 de agosto). No ano seguinte, em novembro, o país teve três presidentes, mas a crise foi logo solucionada. Em 1961, a renúncia de Jânio Quadros — que quase arrastou o Brasil a uma guerra civil — foi solucionada em duas semanas, com a posse de João Goulart, a 7 de setembro. Três anos depois, o mesmo se repetiu, e a 11 de abril, com a eleição de Castelo Branco pelo Congresso Nacional, foi resolvido o impasse político. Em 1992, o momento de crise mais profunda ficou restrito a três meses, entre julho a setembro, quando a Câmara autorizou a abertura do processo de impeachment do presidente Fernando Collor.
A crise atual é mais complexa — e mais longa. No tempo poderia ter uma data: a vitória de Eduardo Cunha, a 1º de fevereiro. A candidatura Arlindo Chinaglia empurrou Cunha para os braços da oposição — até então muito fragilizada, mesmo após o excelente resultado obtido no segundo turno por Aécio Neves. As revelações diárias sobre a extensão do petrolão ampliaram a crise, pois estabeleceu conexão entre o escândalo, as lideranças históricas do partido e o financiamento eleitoral, inclusive da campanha presidencial de 2014, em que propina virou doação legal.
As novas delações premiadas vão complicar ainda mais o cenário. Prováveis acusados estão, preventivamente, buscando mecanismos para garantir o foro privilegiado, temendo serem presos. E a instalação das CPIs do BNDES e dos fundos de pensão vão ter de devassar as relações do projeto criminoso de poder com a burguesia petista, aquela do capital alheio, do nosso capital, entenda-se.
O aprofundamento da crise econômica — com dados que tinham sido escondidos pelo governo, especialmente durante a última campanha eleitoral —, a divisão da base política congressual — inclusive de partidos que tem presença no governo, como a PDT e PTB —, as sucessivas derrotas em votações no Congresso relacionadas ao ajuste fiscal, a impopularidade recorde de Dilma, o desespero do PT, e o esfarelamento da liderança de Lula sinalizam claramente que não há mais governo. O que é bom e ruim. Ruim, pois este projeto de poder fará de tudo para permanecer saqueando o Estado; bom, porque os brasileiros romperam o feitiço de mais de uma década e, finalmente, entenderam o mal representado pelo lulismo.
Na última quinta-feira, era esperado que o PT reconhecesse os erros e apontasse para alguma proposta de negociação, de diálogo com a oposição. E mais, que buscasse apoio dos 71% de brasileiros que consideram o governo ruim ou péssimo. Não o fez. Satanizou a oposição. Associou 1964 a 2015. Tachou a oposição de golpista. Ironizou os protestos. Conservou a política do conflito, do nós contra eles. Isso quando estão isolados e sem nenhuma perspectiva, mesmo a curto prazo, de que poderão reconstruir sua base política.
A gravidade do momento e o autismo governamental obrigaram as oposições a se mexer. A necessidade de encontrar uma rápida saída constitucional para a crise é evidente. A sociedade civil pressiona. As manifestações do próximo dia 16 vão elevar a temperatura política. Quanto mais tempo permanecer o impasse, pior para o Brasil. Se 2015 já está perdido, corremos o sério risco de perdermos 2016 e 2017.
É inegável que Lula e o PT já estão de mudança para o museu da história brasileira. Mais precisamente para a ala dos horrores — que é vasta. Será necessário reservar um espaço considerável. Afinal, nunca na nossa história um projeto político foi tão nefasto como o do lulismo. Veja mais no site O GLOBO
Marco Antonio Villa é historiador

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