Tráfico de Mulheres: Brasil é um dos principais países de origem

ONGs e polícia dizem que é impossível quantificar vítimas dos grupos mafiosos no exterior. Das redes de exploração de brasileiras, foram identificadas 32 vias de entrada na Espanha, a maioria por Portugal – Por Priscila Guilayn - O Globo

O Brasil é um dos três principais países de origem de mulheres para a exploração sexual. Do outro lado, está a Espanha, um dos cinco principais países de destino, assim como Itália, Holanda, Portugal e Venezuela. Das redes de tráfico de brasileiras, foram identificadas 32 vias de entrada na Espanha. A maioria, por Portugal. As redes vão mudando constantemente sua forma de agir para driblar as autoridades nos controles de fronteiras. Esses dados foram reunidos pela ONG espanhola Accem. No entanto, quantificar as vítimas dos grupos mafiosos é tarefa, por enquanto, impossível, segundo afirmam os especialistas tanto da polícia como de ONGs: sem denúncias não há como atacar essas redes.

- O Brasil é o principal país de origem das mulheres vítimas de redes de tráfico de pessoas que chegam à Espanha - afirma Gentiana Susaj, coordenadora da Rede Espanhola contra o Tráfico de Pessoas da Accem. - Muitas brasileiras sabem que vêm à Espanha para exercer a prostituição. Ao chegar aqui e ver que a situação era muito pior do que imaginavam, acham que não podem denunciar. Isso está errado. Mesmo que ela saiba que vem para ser prostituta, se ela for enganada sobre as condições, isso pode caracterizar ação de rede de tráfico.

Das batidas policiais de rotina, em 2005, em 1.263 clubes de prostituição espanhóis, foram contadas 20.284 prostitutas, das quais 20.035 eram estrangeiras. A nacionalidade predominante é a brasileira: 5.015, seguidas das romenas (4.175) e das colombianas (2.388). As latino-americanas representam 60,79% do total.


BRASILEIRAS RARAMENTE TRABALHAM NAS RUAS
As brasileiras costumam ter entre 18 e 25 anos e filhos para sustentar que ficaram no Brasil. Elas chegam à Espanha, principalmente através de Portugal, e raramente trabalham como prostitutas nas ruas. Seu primeiro destino é a Galícia (Vigo, Coruña, por exemplo). Depois de percorrer boa parte dos clubes e apartamentos de prostituição do norte da Espanha (Astúrias, Navarra) são enviadas para outras partes do país. O preço por programa é, em média, 25 euros.

- Muitas mulheres nem sabem em que cidade estão nem a quem pedir ajuda. Elas costumam ficar um mês em cada clube ou em cada apartamento onde recebem os clientes. Os donos desses lugares as tratam como mercadoria e por isso existe muita rotatividade. As enviam de um clube a outro, de uma ponta a outra do país. Acham que devem oferecer constantemente novas caras aos clientes. Dessa maneira, dificultam que façam amizades entre elas e, com isso, ficam mais vulneráveis ainda - explica Ramón Esteso, coordenador de Inclusão Social de Médicos do Mundo, que dispõe de um projeto de auxílio às prostitutas, sendo que 17% são brasileiras.



PROSTITUIÇÃO DE EXPORTAÇÃO

Escândalo em NY expõe problema que hoje provoca sete grandes investigações da PF no Brasil – Por Jailton de Carvalho – O Globo

O envolvimento de uma brasileira no escândalo sexual que resultou na renúncia do ex-governador de Nova York Eliot Spitzer, semana passada, chamou atenção para um antigo e cada vez mais grave problema: o tráfico de mulheres, principalmente de famílias de baixa renda, para o mercado da prostituição no exterior. A situação é tão grave que, só neste momento, estão em curso na Polícia Federal sete investigações internacionais sigilosas de combate ao recrutamento de brasileiras para prostíbulos de Espanha, Suíça, Itália e Portugal.

As investigações estão sendo conduzidas por policiais da Divisão de Direitos Humanos da Polícia Federal em parceria com colegas dos quatro países. Elas resultarão em operações programadas para este ano, que, segundo fontes da corporação, devem levar à prisão pelo menos 40 pessoas no Brasil e no exterior. O número de operações previstas é mais do que o dobro das três grandes ações lançadas no ano passado.

As investidas do ano passado - as operações Sodoma, Onças e Sabinas - levaram 20 suspeitos à cadeia. Esses dados não levam em conta casos isolados em que a polícia, a partir de investigações locais, prende acusados de aliciamento de brasileiras. A PF estima em 200 o número de inquéritos menores em andamento para apurar denúncias de recrutamento ilegal de brasileiras para bordéis europeus. Só em Goiás, epicentro do tráfico, a PF tem 60 inquéritos e 27 investigações preliminares sobre quadrilhas de aliciadores.

Não há dados oficiais sobre a participação de brasileiros no mercado do sexo internacional. Mas levantamento divulgado pela Associação Brasileira de Defesa da Mulher, da Infância e da Juventude (Asbrad), em 2003, indicava que mais de 70 mil brasileiras que deixaram o país se prostituíam. A PF costuma usar esse número como referência, mas acredita que ele seja maior. No mapa desse comércio ilegal, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro figuram, nesta ordem, como os principais "fornecedores" de mulheres.

Recentemente, a PF detectou uma mudança gradativa desse mercado. Mato Grosso e Tocantins entraram nas principais rotas do tráfico. Boa parte das mulheres aliciadas pelas quadrilhas desbaratadas nas últimas operações tinha como origem os dois estados.

- Talvez porque são estados que fazem fronteira com Goiás, tradicionalmente o estado com o maior número de casos de aliciamentos - diz o delegado Felipe Tavares Seixas, chefe da Divisão de Direitos Humanos da PF.



R$5 MIL POR BRASILEIRA "IMPORTADA” POR BORDÉIS

O mapa da prostituição traçado pela PF revela ainda o crescimento do tráfico de mulheres do Pará e do Amazonas para prostíbulos em áreas de garimpo do Suriname, Guiana, Guiana Francesa e Venezuela. Donos de bordéis dessas regiões pagariam, em média, R$5 mil por cada brasileira "importada". O valor é três vezes inferior ao que é pago, em média, por prostíbulos da Europa, algo em torno de R$15 mil, segundo informações dadas por aliciadores presos.

As investigações mostram que as quadrilhas são, em geral, formadas por donos de bordéis, agentes de viagem e vítimas do próprio tráfico. Grande parte tem outra atividade e recorre ao comércio de mulheres para complementar a renda ou turbinar os lucros de seu negócio principal. A atuação das quadrilhas também segue um padrão. Donos de bordéis na Europa, em geral, enviam emissários para contratar aliciadores no Brasil.

Os aliciadores são, quase sempre, mulheres que um dia foram aliciadas. Elas têm mais facilidade de se aproximar das vítimas e fazer uma proposta para trabalhar no exterior. Os agentes de viagens são solicitados para indicar as melhores rotas. Em geral, as brasileiras são levadas primeiramente para países com poucas chances de deportação, como os do leste europeu. De lá, seguem para cidades onde a prostituição é mais aquecida, como Madri, Barcelona, Lisboa, Porto, Zurique, Milão e Roma, entre outras.

Em solo europeu, elas descobrem que têm com os empresários da noite uma dívida, que inclui o preço da passagem aérea e os custos de hospedagem e alimentação. Muitas têm os passaportes retidos, e assim ficam "presas" aos seus novos "donos".

Numa tentativa de reforçar o trabalho da PF, o governo federal lançou, em 2006, a Política Nacional de Enfrentamento de Tráfico de Pessoas. É composta de ações de repressão, prevenção e atenção às vítimas. Como parte dessa política, diplomatas brasileiros estão sendo orientados a defender os direitos de brasileiras vítimas do tráfico no exterior.


TRÁFICO DE GENTE NA TRÍPLICE FRONTEIRA
OIT calcula haver 3.500 menores explorados sexualmente na região – Por Laura Rocha – O Globo

"Você quer ganhar em dólar? Convocamos moças de 18 a 25 anos para fotos e vídeos; US$300 por dia. Aceito SMS e ligações de telefones públicos. A produção será realizada em Buenos Aires. Passagem e estadia pagas."

Promessas como esta, contida num anúncio de um jornal da fronteira argentina, são usadas por grupos para atrair mulheres, escravizá-las em prostíbulos ou enganá-las e enviá-las a alguma cidade que as vítimas não conhecem. Também as usam para captar pessoas e escravizá-las em trabalhos clandestinos.

Cynthia Bendlin, consultora da Organização Internacional para as Migrações (OIM) na Tríplice Fronteira, explicou: - A porosidade da fronteira e os distintos níveis de governo que têm jurisdição na zona complicam muito a luta contra o tráfico de pessoas. A intenção é a prevenção, divulgar este delito para que a comunidade fique atenta.

Região onde confluem os limites de Paraguai, Brasil e Argentina, a Tríplice Fronteira tem uma realidade sociopolítica e cultural complexa. Ali há vários rios, assim como três aeroportos e duas pontes internacionais. A zona também se destaca pelo movimento regular e irregular pelas fronteiras, ajudando a tornar a área mais vulnerável às redes criminosas.

Bendlin contou que cerca de 500 mil pessoas vivem na região. Embora as estatísticas de casos de tráfico humano com fins de exploração sexual sejam escassas, os funcionários da Imigração em Puerto Iguazú estimam que 20% das pessoas atraídas têm menos de 18 anos.

- Em muitos casos, o recrutamento está a cargo de um parente ou conhecido, que cobra entre mil e 1.500 pesos (US$318 e US$477) por captação e traslado - explicou um funcionário de Puerto Iguazú que pediu para não ser identificado.


MÃE AJUDOU A LIBERTAR QUASE 200 VÍTIMAS
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) acredita que na Tríplice Fronteira pelo menos 3.500 menores são explorados sexualmente. Um estudo da OIM estima que, na Argentina, paga-se por uma mulher entre 100 pesos (US$31) e 5 mil pesos (US$1.500), dependendo da região, da idade e de "características da mercadoria". A forma mais comum de atrair é a mentira, mas há também seqüestro.

Meninos e meninas trabalham nas ruas, em clubes noturnos, cabarés, bares, bordéis, discotecas e até hotéis. O recrutamento para trabalho ilegal também preocupa a comunidade internacional, pois se trata do terceiro negócio mais rentável do mundo, logo depois do tráfico de drogas e de armas, com ganhos estimados em US$32 bilhões, segundo a OIT.

Susana Trimarco é mãe de Marita Verón, desaparecida desde 2002. Em sua busca chegou a se infiltrar no mundo do tráfico e desbaratou vários grupos e libertou 178 vítimas. Hoje, sua luta continua através da Fundação María de los Angeles. - Os casos estão aumentando. As pessoas vão se conscientizando, mas o governo também tem que ter muito mais compromisso do que tem agora. O Globo

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