Um grupo de especialistas reunidos em Madrid para analisar a situação da economia cubana pintou um negro panorama, no qual as esperanças de mudança despertadas por Raúl (o irmão de Fidel) não se cumpriram.
Assim, medidas como permitir que os cubanos possam adquirir celulares e computadores pressupõem uma burla, dada a precária situação da maioria da população, que além de não ter meios para adquirir estes produtos, tem que dedicar boa parte do tempo buscando maneiras de subsistir. - Por Yuma Gomes-Cornejo - Madrid El País
A Casa da América acolheu na segunda-feira (24) o Seminário de Reformas Econômicas em Cuba, organizado pela Associação para o Estudo da Economia Cubana (ASCE, sua sigla em inglês) e pela Associação Espanhola-Cuba em Transição (AETC).
Os participantes coincidiram em seu ponto de vista, e atribuíram a situação desesperada da economia cubana, muito mais a razões internas do que a causas externas, como o embargo de Estados Unidos - que representa "uma restrição" para o Governo.
Entre os principais problemas da economia cubana destacaram a baixa produtividade, relacionada a baixa produção de alimentos, o que obriga a importação de 50% da alimentação (sendo 84% dos Estados Unidos), segundo destacou o economista Joaquín Pujol, ex funcionário do Fundo Monetário Internacional (FMI). Segundo Pujol, "existem duas economias cubanas: uma virtual, a que o Governo apresenta ao exterior, e que segundo as estatísticas oficiais é o país que mais cresce na América Latina; e a economia real, na qual vivem os cubanos na ilha", com problemas de racionamento e escassez.
Ademais, o sistema de saúde e educação, principais conquistas do regime, experimentou uma grave deterioração nos últimos anos. É um paradoxo o Governo enviar milhares de médicos ao estrangeiro, enquanto faltam médicos na ilha.
Moeda dupla
Outro grave problema é o sistema que rege na ilha, de moeda dupla, com o peso "nacional" e o "peso convertido" (que equivale a 20 pesos nacionais), com taxas de cambio múltiplas, que provocam distorções econômicas e sociais e complicam notavelmente a contabilidade das empresas estrangeiras.
Os especialistas relacionaram diretamente a abertura econômica à transição para a democracia na ilha, e destacaram a resistência do regime a toda mudança econômica que comporte um menor controle do Governo. Manuel García Díaz, professor da Universidade de Granada e ex vice presidente da Junta Central de Planificação de Cuba, afirmou que "em Cuba existe um grande ayatolá, que é Fidel, que se rodeou de adeptos talibans e de uns 20% da população que o segue cegamente mantendo o resto da população como refém".
"Os direitos civis, as eleições democráticas e os direitos humanos devem estar acompanhados da economia de mercado e da propriedade privada", destacou Elías Amor, professor da Universidade de Valencia. Ademais do embargo dos Estados Unidos, em Cuba "existe um embargo interno à economia dos cubanos, que lhes impede de trabalhar ou montar negócios", afirmou Jorge Sanguinetty, presidente da ASCE.
Os especialistas também analisaram a situação das empresas estrangeiras, especialmente das espanholas, que tomaram posições na ilha. Javier Rupérez, cônsul geral da Espanha em Chicago, denunciou as normas "aberrantes" a que elas submetem os trabalhadores do setor turístico, e se declarou cético "ante a possibilidade de mudanças democráticas e pacíficas, em Cuba, num futuro imediato.
Quebra do igualitarismo salarial
"Uma das características essenciais da economia cubana é o Estado como empregador único", destaca Jorge Sanguinetty, presidente da ASCE. Esta característica se traduz na inflexibilidade da demanda, já que as empresas não podem contratar livremente seus trabalhadores.
Sanguinetty analisou as principais medidas econômicas propostas por Raúl Castro: o aumento dos salários dos trabalhadores, segundo a produtividade, e chamada pelo regime de "pagamento por resultados". Trata-se de uma medida de grande cunho ideológico, que "quebrará uma das bases da revolução: o igualitarismo salarial". O salário médio da maioria dos trabalhadores cubanos está congelado faz muitos anos e equivale a 17 dólares mensais. "Sobrevive-se através do mercado negro e de outras atividades clandestinas", explicou Sanguinetty, que apontou a dificuldade para determinar quem identificará os trabalhadores mais produtivos.
O aumento dos salários tem como objetivo aumentar a produtividade das empresas cubanas, porém, tem vários impedimentos. Um dos mais importantes é o emprego redundante, que infla o quadro de pessoal das empresas. Outras travas são as escalas salariais arbitrárias e as grandes distorções entre os profissionais, o que "faz com seja mais interessante trabalhar como porteiro em um hotel, com acesso a propinas em dólares, do que seguir como neurocirurgião", afirmou o presidente da ASCE.
Por sua parte, as empresas estrangeiras pagam ao Governo uns 300 dólares mensais, por cada trabalhador, enquanto estes recebem uns 17 dólares. Desta maneira "o Estado cubano opera como uma grande empresa de trabalho temporário".
Jesús Mercader, catedrático de Direito do Trabalho na Universidade Carlos III de Madrid, destacou o "descumprimento absoluto" dos convênios da Organização Internacional do Trabalho (OIT), por parte de Cuba, donde "o Governo se nega a registrar os sindicatos independentes e encarcera os sindicalistas". Tampouco existe o direito a férias e se produz discriminação ideológica no emprego, advertiu Mercader, destacando que "Cuba não ratificou o convênio 182 da OIT sobre as piores formas de trabalho infantil".
O problema das propriedades confiscadas
Uma das incógnitas que desperta uma possível transição democrática em Cuba é o destino das propriedades confiscadas depois da revolução que começou em 1959. "Cuba tem sido um país extremo, foram confiscadas até mesmo os carrinhos de sorvete", afirmou Rolando Castañeda, ex funcionário do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Tania Mastrapa, especialista em reclamação de propriedades confiscadas, detalhou o processo de confisco de propriedades em Cuba. No começo da revolução cubana foi criado um Ministério de Recuperação de Bens Malversados, destinado a atuar contra os bens do ditador Batista e seus colaboradores. Sem embargo, "confiscaram as propriedades mais valiosas, até mesmo a dos proprietários que não foram colaboradores de Batista. O ministério pegava tudo que havia dentro das casas e leiloava no estrangeiro", relatou Mastrapa.
Outro objetivo eram as empresas mais exitosas. "Obrigavam-nas a pagar elevados impostos, lhes negavam acesso a maquinaria, estabeleciam cotas de produção impossíveis, e depois acusavam-nas de improdutivas e as confiscavam", afirmou Mastrapa. Ademais, os empregados podiam reclamar a nacionalização.
As empresas que não foram confiscadas em um primeiro momento sofreram intervenções e postas sob o controle do Estado, porém, com o tempo todas foram confiscadas. Outro motivo de nacionalização era a acusação de abandono da pátria e traição que recaía sobre os exilados.
Em Cuba existe uma percepção sobre os exilados de que eles são "traidores e avarentos, que se interessam em regressar somente para recuperar seus negócios e de novo sair de casa", explicou Mastrapa, que admitiu que não existe uma solução fácil frente a este problema. Depois de 60 anos de revolução, muitas casas e empresas foram destruídas e outras estão ocupadas por funcionários, por diplomatas e outros dependentes do Governo. Tradução de Arthur (MOVCC)
A Casa da América acolheu na segunda-feira (24) o Seminário de Reformas Econômicas em Cuba, organizado pela Associação para o Estudo da Economia Cubana (ASCE, sua sigla em inglês) e pela Associação Espanhola-Cuba em Transição (AETC).
Os participantes coincidiram em seu ponto de vista, e atribuíram a situação desesperada da economia cubana, muito mais a razões internas do que a causas externas, como o embargo de Estados Unidos - que representa "uma restrição" para o Governo.
Entre os principais problemas da economia cubana destacaram a baixa produtividade, relacionada a baixa produção de alimentos, o que obriga a importação de 50% da alimentação (sendo 84% dos Estados Unidos), segundo destacou o economista Joaquín Pujol, ex funcionário do Fundo Monetário Internacional (FMI). Segundo Pujol, "existem duas economias cubanas: uma virtual, a que o Governo apresenta ao exterior, e que segundo as estatísticas oficiais é o país que mais cresce na América Latina; e a economia real, na qual vivem os cubanos na ilha", com problemas de racionamento e escassez.
Ademais, o sistema de saúde e educação, principais conquistas do regime, experimentou uma grave deterioração nos últimos anos. É um paradoxo o Governo enviar milhares de médicos ao estrangeiro, enquanto faltam médicos na ilha.
Moeda dupla
Outro grave problema é o sistema que rege na ilha, de moeda dupla, com o peso "nacional" e o "peso convertido" (que equivale a 20 pesos nacionais), com taxas de cambio múltiplas, que provocam distorções econômicas e sociais e complicam notavelmente a contabilidade das empresas estrangeiras.
Os especialistas relacionaram diretamente a abertura econômica à transição para a democracia na ilha, e destacaram a resistência do regime a toda mudança econômica que comporte um menor controle do Governo. Manuel García Díaz, professor da Universidade de Granada e ex vice presidente da Junta Central de Planificação de Cuba, afirmou que "em Cuba existe um grande ayatolá, que é Fidel, que se rodeou de adeptos talibans e de uns 20% da população que o segue cegamente mantendo o resto da população como refém".
"Os direitos civis, as eleições democráticas e os direitos humanos devem estar acompanhados da economia de mercado e da propriedade privada", destacou Elías Amor, professor da Universidade de Valencia. Ademais do embargo dos Estados Unidos, em Cuba "existe um embargo interno à economia dos cubanos, que lhes impede de trabalhar ou montar negócios", afirmou Jorge Sanguinetty, presidente da ASCE.
Os especialistas também analisaram a situação das empresas estrangeiras, especialmente das espanholas, que tomaram posições na ilha. Javier Rupérez, cônsul geral da Espanha em Chicago, denunciou as normas "aberrantes" a que elas submetem os trabalhadores do setor turístico, e se declarou cético "ante a possibilidade de mudanças democráticas e pacíficas, em Cuba, num futuro imediato.
Quebra do igualitarismo salarial
"Uma das características essenciais da economia cubana é o Estado como empregador único", destaca Jorge Sanguinetty, presidente da ASCE. Esta característica se traduz na inflexibilidade da demanda, já que as empresas não podem contratar livremente seus trabalhadores.
Sanguinetty analisou as principais medidas econômicas propostas por Raúl Castro: o aumento dos salários dos trabalhadores, segundo a produtividade, e chamada pelo regime de "pagamento por resultados". Trata-se de uma medida de grande cunho ideológico, que "quebrará uma das bases da revolução: o igualitarismo salarial". O salário médio da maioria dos trabalhadores cubanos está congelado faz muitos anos e equivale a 17 dólares mensais. "Sobrevive-se através do mercado negro e de outras atividades clandestinas", explicou Sanguinetty, que apontou a dificuldade para determinar quem identificará os trabalhadores mais produtivos.
O aumento dos salários tem como objetivo aumentar a produtividade das empresas cubanas, porém, tem vários impedimentos. Um dos mais importantes é o emprego redundante, que infla o quadro de pessoal das empresas. Outras travas são as escalas salariais arbitrárias e as grandes distorções entre os profissionais, o que "faz com seja mais interessante trabalhar como porteiro em um hotel, com acesso a propinas em dólares, do que seguir como neurocirurgião", afirmou o presidente da ASCE.
Por sua parte, as empresas estrangeiras pagam ao Governo uns 300 dólares mensais, por cada trabalhador, enquanto estes recebem uns 17 dólares. Desta maneira "o Estado cubano opera como uma grande empresa de trabalho temporário".
Jesús Mercader, catedrático de Direito do Trabalho na Universidade Carlos III de Madrid, destacou o "descumprimento absoluto" dos convênios da Organização Internacional do Trabalho (OIT), por parte de Cuba, donde "o Governo se nega a registrar os sindicatos independentes e encarcera os sindicalistas". Tampouco existe o direito a férias e se produz discriminação ideológica no emprego, advertiu Mercader, destacando que "Cuba não ratificou o convênio 182 da OIT sobre as piores formas de trabalho infantil".
O problema das propriedades confiscadas
Uma das incógnitas que desperta uma possível transição democrática em Cuba é o destino das propriedades confiscadas depois da revolução que começou em 1959. "Cuba tem sido um país extremo, foram confiscadas até mesmo os carrinhos de sorvete", afirmou Rolando Castañeda, ex funcionário do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Tania Mastrapa, especialista em reclamação de propriedades confiscadas, detalhou o processo de confisco de propriedades em Cuba. No começo da revolução cubana foi criado um Ministério de Recuperação de Bens Malversados, destinado a atuar contra os bens do ditador Batista e seus colaboradores. Sem embargo, "confiscaram as propriedades mais valiosas, até mesmo a dos proprietários que não foram colaboradores de Batista. O ministério pegava tudo que havia dentro das casas e leiloava no estrangeiro", relatou Mastrapa.
Outro objetivo eram as empresas mais exitosas. "Obrigavam-nas a pagar elevados impostos, lhes negavam acesso a maquinaria, estabeleciam cotas de produção impossíveis, e depois acusavam-nas de improdutivas e as confiscavam", afirmou Mastrapa. Ademais, os empregados podiam reclamar a nacionalização.
As empresas que não foram confiscadas em um primeiro momento sofreram intervenções e postas sob o controle do Estado, porém, com o tempo todas foram confiscadas. Outro motivo de nacionalização era a acusação de abandono da pátria e traição que recaía sobre os exilados.
Em Cuba existe uma percepção sobre os exilados de que eles são "traidores e avarentos, que se interessam em regressar somente para recuperar seus negócios e de novo sair de casa", explicou Mastrapa, que admitiu que não existe uma solução fácil frente a este problema. Depois de 60 anos de revolução, muitas casas e empresas foram destruídas e outras estão ocupadas por funcionários, por diplomatas e outros dependentes do Governo. Tradução de Arthur (MOVCC)
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