Editorial de O Estado de S. Paulo
Tão frequentes e tão minuciosas têm sido as revelações sobre os malfeitos dos parlamentares federais brasileiros e a sua complacência com os ilícitos ao seu redor que não faltará quem concorde com o primeiro-secretário do Senado, Heráclito Fortes (DEM-PI), quando, com ironia de gosto duvidoso, sugere que "está na hora de fechar o Congresso".
Ele tinha sido instado a comentar a denúncia segundo a qual a senadora maranhense Roseana Sarney (PMDB) teria usado a cota de passagens aéreas a que tem direito - sete bilhetes por mês - para trazer a Brasília amigos, parentes e assessores de seu Estado. Alguns deles ainda foram hospedados na residência oficial do presidente do Senado, José Sarney, que se encontra desocupada.
Formalmente, nenhuma irregularidade foi cometida. Os parlamentares não estão proibidos de transferir a terceiros as suas passagens, desde que não as vendam, e os titulares de moradias oficiais podem nelas hospedar quem queiram.
O episódio - mais um da interminável série que vem atestando a desenvoltura dos políticos em embaralhar o público e o privado, sem se preocupar nem sequer com a aparência de austeridade - levou um interlocutor a perguntar ao senador Heráclito Fortes se não seria mais adequado divulgar o destino dado às cotas de passagens, afinal pagas pelo contribuinte. No ano passado, o privilégio custou cerca de R$ 20 milhões. "Se forem atrás de pagamento de passagem, não escapa nem jornalista", retrucou ele. "Vai ser um constrangimento." E saiu-se com a frase sobre o fechamento do Congresso.
Interessante ele falar em constrangimento. Pois se há um termo que parece banido do léxico político nacional, por desuso dos praticantes do jogo do poder político nacional, é precisamente este. O senador Heráclito, para ficar no exemplo do dia, não se constrange em atribuir a sequência dos vexames que têm mantido a Casa no noticiário a uma campanha de desafetos do senador José Sarney para "desestabilizar" a sua gestão. No mês passado, pela terceira vez, ele se fez eleger para o comando da instituição. Um dos mais denodados cabos eleitorais do cacique maranhense foi o seu correligionário Renan Calheiros, de notório retrospecto. O alagoano trabalhou também para eleger Fernando Collor presidente da Comissão de Infraestrutura da Casa. Isso é de domínio público. O que a imprensa trouxe à tona foram fatos ruinosos para a imagem da instituição que simplesmente não causavam o menor desconforto para todos aqueles senadores que deles pudessem ter conhecimento - a indiferença, como se sabe, é fiadora do abuso, da mesma forma que o cinismo serve para acobertá-lo. O primeiro escândalo foi a descoberta de que o então diretor-geral do Senado, Agaciel Maia, há 15 anos no cargo a que havia sido alçado por Sarney, registrara em nome do irmão a mansão de R$ 5 milhões onde reside. Ao se despedir, recebeu uma verdadeira consagração.
Tampouco decorreu de alguma campanha desestabilizadora a revelação de que o diretor de recursos humanos do Senado, João Carlos Zoghbi, cedera a um filho o seu apartamento funcional, pelo que teve de pedir demissão. Ou a notícia de que, no mês de janeiro, em pleno recesso parlamentar, a Casa pagou R$ 6,2 milhões em horas extras a 3.800 servidores. Ou ainda a denúncia de que Sarney recorreu três vezes a seguranças do Senado para policiar propriedades de sua família no Maranhão, ao custo de R$ 30 mil. E há pouco se apurou que o Senado usa empresas prestadoras de serviços terceirizados para empregar parentes de funcionários, burlando a proibição legal do nepotismo. Mesmo a súbita iniciativa aparentemente reparadora de Sarney - o afastamento de todos os diretores da Casa, "para fazer um balanço dos cargos que são efetivamente necessários ou dispensáveis", enquanto encaminha a reforma administrativa da instituição - teve um efeito bumerangue.
O País ficou sabendo que o Senado tem 136 diretores, ou secretários e subsecretários com esse status (22 vezes mais do que a Petrobrás, por exemplo). Isso equivale a 1 diretor para cada 19 funcionários - e a quase 2 para cada senador. Muitas diretorias foram criadas para promover servidores apadrinhados por políticos. E diversos de seus ocupantes foram indicados pelo próprio Sarney.
Tão frequentes e tão minuciosas têm sido as revelações sobre os malfeitos dos parlamentares federais brasileiros e a sua complacência com os ilícitos ao seu redor que não faltará quem concorde com o primeiro-secretário do Senado, Heráclito Fortes (DEM-PI), quando, com ironia de gosto duvidoso, sugere que "está na hora de fechar o Congresso".
Ele tinha sido instado a comentar a denúncia segundo a qual a senadora maranhense Roseana Sarney (PMDB) teria usado a cota de passagens aéreas a que tem direito - sete bilhetes por mês - para trazer a Brasília amigos, parentes e assessores de seu Estado. Alguns deles ainda foram hospedados na residência oficial do presidente do Senado, José Sarney, que se encontra desocupada.
Formalmente, nenhuma irregularidade foi cometida. Os parlamentares não estão proibidos de transferir a terceiros as suas passagens, desde que não as vendam, e os titulares de moradias oficiais podem nelas hospedar quem queiram.
O episódio - mais um da interminável série que vem atestando a desenvoltura dos políticos em embaralhar o público e o privado, sem se preocupar nem sequer com a aparência de austeridade - levou um interlocutor a perguntar ao senador Heráclito Fortes se não seria mais adequado divulgar o destino dado às cotas de passagens, afinal pagas pelo contribuinte. No ano passado, o privilégio custou cerca de R$ 20 milhões. "Se forem atrás de pagamento de passagem, não escapa nem jornalista", retrucou ele. "Vai ser um constrangimento." E saiu-se com a frase sobre o fechamento do Congresso.
Interessante ele falar em constrangimento. Pois se há um termo que parece banido do léxico político nacional, por desuso dos praticantes do jogo do poder político nacional, é precisamente este. O senador Heráclito, para ficar no exemplo do dia, não se constrange em atribuir a sequência dos vexames que têm mantido a Casa no noticiário a uma campanha de desafetos do senador José Sarney para "desestabilizar" a sua gestão. No mês passado, pela terceira vez, ele se fez eleger para o comando da instituição. Um dos mais denodados cabos eleitorais do cacique maranhense foi o seu correligionário Renan Calheiros, de notório retrospecto. O alagoano trabalhou também para eleger Fernando Collor presidente da Comissão de Infraestrutura da Casa. Isso é de domínio público. O que a imprensa trouxe à tona foram fatos ruinosos para a imagem da instituição que simplesmente não causavam o menor desconforto para todos aqueles senadores que deles pudessem ter conhecimento - a indiferença, como se sabe, é fiadora do abuso, da mesma forma que o cinismo serve para acobertá-lo. O primeiro escândalo foi a descoberta de que o então diretor-geral do Senado, Agaciel Maia, há 15 anos no cargo a que havia sido alçado por Sarney, registrara em nome do irmão a mansão de R$ 5 milhões onde reside. Ao se despedir, recebeu uma verdadeira consagração.
Tampouco decorreu de alguma campanha desestabilizadora a revelação de que o diretor de recursos humanos do Senado, João Carlos Zoghbi, cedera a um filho o seu apartamento funcional, pelo que teve de pedir demissão. Ou a notícia de que, no mês de janeiro, em pleno recesso parlamentar, a Casa pagou R$ 6,2 milhões em horas extras a 3.800 servidores. Ou ainda a denúncia de que Sarney recorreu três vezes a seguranças do Senado para policiar propriedades de sua família no Maranhão, ao custo de R$ 30 mil. E há pouco se apurou que o Senado usa empresas prestadoras de serviços terceirizados para empregar parentes de funcionários, burlando a proibição legal do nepotismo. Mesmo a súbita iniciativa aparentemente reparadora de Sarney - o afastamento de todos os diretores da Casa, "para fazer um balanço dos cargos que são efetivamente necessários ou dispensáveis", enquanto encaminha a reforma administrativa da instituição - teve um efeito bumerangue.
O País ficou sabendo que o Senado tem 136 diretores, ou secretários e subsecretários com esse status (22 vezes mais do que a Petrobrás, por exemplo). Isso equivale a 1 diretor para cada 19 funcionários - e a quase 2 para cada senador. Muitas diretorias foram criadas para promover servidores apadrinhados por políticos. E diversos de seus ocupantes foram indicados pelo próprio Sarney.
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