A CASA CAI
Plano de habitação, de até R$10 bi, enfrenta resistências dentro e fora do governo. Lula está com sérias dificuldades para fazer o plano sair do papel. Num momento em que a arrecadação está em queda, os técnicos da área econômica tentam encontrar uma fórmula para levantar R$ 10 milhões. Inicialmente, o programa tinha o objetivo de estimular a construção civil e, consequentemente, a economia. Mas, depois, a decisão do presidente Lula foi costurar medidas de cunho mais social, com subsídios. Comentário: Ou seja: tornou-se mais uma peça eleitoreira, um "santinho" da candidatura de Dilma.
COLCHA DE RETALHOS
Debruçado há mais de três meses sobre um pacote habitacional que mistura de desonerações de material de construção ao subsídio de moradias, o governo não consegue fechar o plano, que virou um desafio quase intransponível. A formatação das medidas está comprometida por divergências dentro e fora da Esplanada dos Ministérios e pela ambição do Palácio do Planalto, que transformou um programa de estímulo econômico em política social. A dificuldade começa pela falta de recursos para bancar a redução das prestações e de tributos, com o objetivo de baratear os imóveis. Só nesta conta, os técnicos tentam tirar da manga, enquanto a arrecadação cai mais de 7%, cerca de R$10 bilhões.
DILMA, FAZENDA E GOVERNADORES NÃO SE ENTENDEM SOBRE PACOTE
A reunião dos governadores com a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, na última terça-feira, para discutir o pacote, acabou sem avanços. Aécio Neves, de Minas, indagou qual o tempo de duração do programa e ficou sem resposta. José Serra, de São Paulo, também quis saber qual o montante de recursos que o governo federal pretende aplicar. Não houve resposta. Os governadores foram convocados para discutir a sua participação no programa. Além de Aécio e Serra, estiveram lá Sérgio Cabral (Rio) e Roberto Requião (Paraná).
Mesmo diante de uma colcha de retalhos, o governo continua vendendo um pacote grandioso. Ontem, a demora no anúncio foi tema da reunião do Grupo de Acompanhamento da Crise. Pressionado, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, garantiu que as medidas saem após a viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos EUA, provavelmente dia 18. Estimou que o pacote será de R$70 bilhões. Não disse de onde sairiam os recursos, mas eles podem incluir o caixa de estados, municípios e setor privado na empreitada.
Meta de 1 milhão de casas não deve sair
De acordo com uma fonte que estava na reunião do Grupo de Acompanhamento, o ministro disse que a idéia é dar 100% de cobertura da Caixa no financiamento para imóveis até R$130 mil. O percentual seria reduzido, gradualmente, até R$600 mil. O prazo dos contratos pode chegar a 240 meses.
- Vamos depender da boa vontade de vocês - teria afirmado Mantega, que lembrou que hoje são construídas no país entre 100 mil e 150 mil casas por ano.
A meta do governo, porém, é de 500 mil em 2009 e outras tantas no ano que vem. Este objetivo, porém, virou um nó do pacote. A própria ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, já admitiu aos construtores que não dá para se comprometer com ela neste prazo. Pelo menos aqui há consenso com especialistas e governadores.
Aécio, por exemplo, sugeriu que sejam aproveitadas as estruturas já montadas nos estados e prefeituras, como o repasse dos recursos às cooperativas habitacionais. José Serra gostou do desempenho - incisivo - do colega mineiro e chegou a telefonar para o ex-presidente Fernando Henrique e para o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE) para elogiar a firmeza de Aécio.
Além disso, a conta de Mantega apresentada ontem é um enigma. Boa parte dos nós que travam a formatação final do pacote vem, de um lado, da pouca boa vontade que os governadores - especialmente dos maiores estados - demonstram com a principal solicitação do Palácio do Planalto: redução de impostos. Do outro, da indefinição sobre quanto a União poderá despejar nas ações.
Inicialmente, a União teria que mobilizar cerca de R$10 bilhões enquanto faz planos para cortar gastos. Seriam R$8 bilhões para subsídios diretos. Os emissários do Planalto convenceram o Conselho Curador do FGTS a elevar de R$1,6 bilhão para R$2,5 bilhões os recursos destinados a subsídios, tendo como contrapartida R$5,5 bilhões do Orçamento. Só com pesado subsídio a inclusão das famílias com renda entre 0 e 3 salários mínimos será bem-sucedida.
As desonerações de materiais de construção podem consumir desde R$600 milhões até R$1,1 bilhão. Já o Fundo Garantidor - que possibilitará honrar prestações junto aos agentes financeiros em caso de inadimplência, por até 36 meses - consumiria ao menos R$800 milhões do Tesouro.
Os técnicos da Fazenda relutaram em aceitar o Fundo Garantidor. Negam-se ainda a discutir renúncias fiscais, devido à perda de receita com a crise e do risco. Também não concordam com a ampliação do espectro das medidas, que agora visam à redução do déficit habitacional de 7,9 milhões de moradias. A proposta inicial era estimular a construção civil e impulsionar a economia.
Até por conta desta dificuldade de caixa, o governo tenta convencer os estados e os municípios a participarem desse projeto, reduzindo impostos. Também pede a doação de terrenos para a construção dos imóveis habitacionais. Governadores e prefeitos até admitem dar apoio com plantas e infraestrutura, como saneamento básico, mas não querem ouvir falar de queda de ICMS, ISS (Imposto sobre Serviços) e ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis).
Entre os financiadores, o BNDES já avisou que não trará inovações ao pacote. Segundo uma fonte do banco, já há linhas de financiamento para insumos e saneamento básico. Ou seja, nada além do que já tem. Já a Caixa se recusa a assumir sozinha o ônus de financiar mutuários com renda baixa.
O setor privado aguarda, cético. O presidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy, disse que não é nem necessário baixar impostos. Precisa estimular o crédito.
- O setor privado precisa se mobilizar e o beneficiado, no caso, tem de ser o mutuário.
O vice-presidente do Secovi-SP (sindicato que representa o setor imobiliário no estado), Flávio Prando, resume:
- Passados quase quatro meses, estamos muito pessimistas. Temos dúvidas se as medidas são factíveis.
- O pacote perdeu o foco. O governo já podia ter tomado uma medida pontual, como, por exemplo, permitir o uso do FGTS para abatimento mensal das prestações - lamenta João Crestana, da Confederação da Indústria da Construção (CBIC).
Eliane Oliveira e Geralda Doca O Globo -
Ilustração do Kibeloco
Plano de habitação, de até R$10 bi, enfrenta resistências dentro e fora do governo. Lula está com sérias dificuldades para fazer o plano sair do papel. Num momento em que a arrecadação está em queda, os técnicos da área econômica tentam encontrar uma fórmula para levantar R$ 10 milhões. Inicialmente, o programa tinha o objetivo de estimular a construção civil e, consequentemente, a economia. Mas, depois, a decisão do presidente Lula foi costurar medidas de cunho mais social, com subsídios. Comentário: Ou seja: tornou-se mais uma peça eleitoreira, um "santinho" da candidatura de Dilma.
COLCHA DE RETALHOS
Debruçado há mais de três meses sobre um pacote habitacional que mistura de desonerações de material de construção ao subsídio de moradias, o governo não consegue fechar o plano, que virou um desafio quase intransponível. A formatação das medidas está comprometida por divergências dentro e fora da Esplanada dos Ministérios e pela ambição do Palácio do Planalto, que transformou um programa de estímulo econômico em política social. A dificuldade começa pela falta de recursos para bancar a redução das prestações e de tributos, com o objetivo de baratear os imóveis. Só nesta conta, os técnicos tentam tirar da manga, enquanto a arrecadação cai mais de 7%, cerca de R$10 bilhões.
DILMA, FAZENDA E GOVERNADORES NÃO SE ENTENDEM SOBRE PACOTE
A reunião dos governadores com a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, na última terça-feira, para discutir o pacote, acabou sem avanços. Aécio Neves, de Minas, indagou qual o tempo de duração do programa e ficou sem resposta. José Serra, de São Paulo, também quis saber qual o montante de recursos que o governo federal pretende aplicar. Não houve resposta. Os governadores foram convocados para discutir a sua participação no programa. Além de Aécio e Serra, estiveram lá Sérgio Cabral (Rio) e Roberto Requião (Paraná).
Mesmo diante de uma colcha de retalhos, o governo continua vendendo um pacote grandioso. Ontem, a demora no anúncio foi tema da reunião do Grupo de Acompanhamento da Crise. Pressionado, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, garantiu que as medidas saem após a viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos EUA, provavelmente dia 18. Estimou que o pacote será de R$70 bilhões. Não disse de onde sairiam os recursos, mas eles podem incluir o caixa de estados, municípios e setor privado na empreitada.
Meta de 1 milhão de casas não deve sair
De acordo com uma fonte que estava na reunião do Grupo de Acompanhamento, o ministro disse que a idéia é dar 100% de cobertura da Caixa no financiamento para imóveis até R$130 mil. O percentual seria reduzido, gradualmente, até R$600 mil. O prazo dos contratos pode chegar a 240 meses.
- Vamos depender da boa vontade de vocês - teria afirmado Mantega, que lembrou que hoje são construídas no país entre 100 mil e 150 mil casas por ano.
A meta do governo, porém, é de 500 mil em 2009 e outras tantas no ano que vem. Este objetivo, porém, virou um nó do pacote. A própria ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, já admitiu aos construtores que não dá para se comprometer com ela neste prazo. Pelo menos aqui há consenso com especialistas e governadores.
Aécio, por exemplo, sugeriu que sejam aproveitadas as estruturas já montadas nos estados e prefeituras, como o repasse dos recursos às cooperativas habitacionais. José Serra gostou do desempenho - incisivo - do colega mineiro e chegou a telefonar para o ex-presidente Fernando Henrique e para o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE) para elogiar a firmeza de Aécio.
Além disso, a conta de Mantega apresentada ontem é um enigma. Boa parte dos nós que travam a formatação final do pacote vem, de um lado, da pouca boa vontade que os governadores - especialmente dos maiores estados - demonstram com a principal solicitação do Palácio do Planalto: redução de impostos. Do outro, da indefinição sobre quanto a União poderá despejar nas ações.
Inicialmente, a União teria que mobilizar cerca de R$10 bilhões enquanto faz planos para cortar gastos. Seriam R$8 bilhões para subsídios diretos. Os emissários do Planalto convenceram o Conselho Curador do FGTS a elevar de R$1,6 bilhão para R$2,5 bilhões os recursos destinados a subsídios, tendo como contrapartida R$5,5 bilhões do Orçamento. Só com pesado subsídio a inclusão das famílias com renda entre 0 e 3 salários mínimos será bem-sucedida.
As desonerações de materiais de construção podem consumir desde R$600 milhões até R$1,1 bilhão. Já o Fundo Garantidor - que possibilitará honrar prestações junto aos agentes financeiros em caso de inadimplência, por até 36 meses - consumiria ao menos R$800 milhões do Tesouro.
Os técnicos da Fazenda relutaram em aceitar o Fundo Garantidor. Negam-se ainda a discutir renúncias fiscais, devido à perda de receita com a crise e do risco. Também não concordam com a ampliação do espectro das medidas, que agora visam à redução do déficit habitacional de 7,9 milhões de moradias. A proposta inicial era estimular a construção civil e impulsionar a economia.
Até por conta desta dificuldade de caixa, o governo tenta convencer os estados e os municípios a participarem desse projeto, reduzindo impostos. Também pede a doação de terrenos para a construção dos imóveis habitacionais. Governadores e prefeitos até admitem dar apoio com plantas e infraestrutura, como saneamento básico, mas não querem ouvir falar de queda de ICMS, ISS (Imposto sobre Serviços) e ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis).
Entre os financiadores, o BNDES já avisou que não trará inovações ao pacote. Segundo uma fonte do banco, já há linhas de financiamento para insumos e saneamento básico. Ou seja, nada além do que já tem. Já a Caixa se recusa a assumir sozinha o ônus de financiar mutuários com renda baixa.
O setor privado aguarda, cético. O presidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy, disse que não é nem necessário baixar impostos. Precisa estimular o crédito.
- O setor privado precisa se mobilizar e o beneficiado, no caso, tem de ser o mutuário.
O vice-presidente do Secovi-SP (sindicato que representa o setor imobiliário no estado), Flávio Prando, resume:
- Passados quase quatro meses, estamos muito pessimistas. Temos dúvidas se as medidas são factíveis.
- O pacote perdeu o foco. O governo já podia ter tomado uma medida pontual, como, por exemplo, permitir o uso do FGTS para abatimento mensal das prestações - lamenta João Crestana, da Confederação da Indústria da Construção (CBIC).
Eliane Oliveira e Geralda Doca O Globo -
Ilustração do Kibeloco
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