É cada vez maior a subserviência do governo brasileiro aos projetos do caudilho Hugo Chávez. No início da semana, o compañero bolivariano estava em maus lençóis, tendo de explicar como vários lançadores de foguetes AT-4, comprados pela Venezuela da Suécia, em 1988, estavam em poder das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as Farc, um grupo guerrilheiro que surgiu há mais de 40 anos tentando implantar pelas armas uma ditadura maoista naquele país e hoje se dedica quase exclusivamente ao tráfico de drogas. Não apenas o governo de Bogotá exigia uma resposta. Estocolmo também queria saber por que o governo venezuelano não havia respeitado o compromisso de ser o usuário final daquele sistema de foguetes.
Como não tinha nenhuma explicação plausível a dar e não podia reconhecer publicamente que tanto ele como seu seguidor equatoriano Rafael Correa fazem o que podem para ajudar o bando armado que se sustenta do narcotráfico e do sequestro de civis, Hugo Chávez fez-se de ofendido. Editorial O Estado de S. Paulo
Repudiou qualquer tipo de interpelação, chamou de volta a Caracas o embaixador em Bogotá e congelou as relações diplomáticas e econômicas com a Colômbia. Mas isso era pouco. Passou para a ofensiva franca, cobrando satisfações do governo colombiano por este estar em negociações com Washington para ceder o uso de cinco bases militares às forças americanas - algumas centenas de soldados - que combatem as chamadas ameaças transnacionais, principalmente o narcotráfico. E, desde então, a concessão dessas bases passou a ser vista como uma ameaça real e imediata à segurança dos países sul-americanos.
O governo Lula comprou a briga do compañero Chávez e tentou dividir a conta com membros de governo estrangeiros que passavam por Brasília. O presidente Lula, depois de afirmar que "a mim não me agrada mais uma base na Colômbia", fez a ressalva de que, assim como não gostaria que o presidente Álvaro Uribe desse "palpite nas coisas do Brasil", ele também não daria palpite "nas coisas de Uribe" - mas tratou de pedir que o assunto fosse incluído na pauta da reunião da União de Nações Sul-Americanas do dia 10. A presidente do Chile, Michelle Bachelet, que estava em Brasília, agiu com grande correção diplomática, limitando-se a dizer que "nós respeitamos a soberania de cada país e as decisões que tomam". Mas o chanceler espanhol Miguel Angel Moratinos deixou de lado a circunspecção, que deveria marcar o comportamento de um visitante, e pontificou, como se Madri ainda fosse a metrópole: "É preciso cuidado para evitar tensão e militarismo na América Latina. Essa não é a melhor resposta aos problemas da região." E propôs articular reações da União Europeia contra a ampliação da presença militar dos Estados Unidos na Colômbia, muito convenientemente esquecido de que as forças americanas - e não só elas - têm livre trânsito nas bases espanholas que fazem parte da OTAN.
O chanceler Celso Amorim, por sua vez, instruiu o embaixador brasileiro em Washington a obter junto ao Departamento de Estado detalhes sobre o acordo de cessão das bases colombianas. Exigiu, ao que se informa, "transparência". Não fez o mesmo - e muito menos revelou preocupações com a segurança do Brasil - quando, há meses, o caudilho Hugo Chávez colocou à disposição das forças armadas russas todos os portos e aeroportos venezuelanos. Muito menos quis saber publicamente de detalhes dos acordos de cooperação militar assinados esta semana entre Caracas e Moscou, que preveem inclusive a realização de manobras.
Os Estados Unidos estão buscando bases na Colômbia porque Rafael Correa se recusou a prorrogar o acordo de uso da Base de Manta, a partir da qual Washington controlava o tráfego de embarcações e aviões suspeitos de envolvimento com o narcotráfico. Recorde-se que o acordo com o Equador foi assinado depois que foi recusada uma proposta para a cessão de base em território brasileiro.
Esses acordos são negociados às claras e os seus textos são publicados. Não implicam cessão, mesmo parcial, de soberania. As bases continuam sob comando do país hospedeiro e servem exclusivamente para o apoio das operações de patrulha. Disso tudo o governo preferiu fingir que não sabia, para poder prestar mais um favor a Hugo Chávez.
CRÍTICA A USO DE BASES MILITARES EXPLORA ANTIAMERICANISMO
Chávez conseguiu que América Latina desviasse atenção das armas vendidas pela Suécia à Venezuela encontradas com as Farc para reclamar de fato trivial
O presidente venezuelano Hugo Chávez é um gênio da propaganda. Conseguiu que a América Latina desviasse a atenção de um fato seríssimo -a Colômbia ter achado com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) foguetes antitanque AT-4 que foram vendidos pela Suécia ao Exército da Venezuela-, para começar a reclamar em uníssono contra um fato trivial: um pequeno aumento do número de militares americanos em cinco bases colombianas.
Chávez sabe explorar habilmente o antiamericanismo sempre latente na região.
Há vários motivos para um fato ser sério e outro, trivial. Armas das Forças Armadas de um país serem encontradas com a narcoguerrilha em um país vizinho é algo sério, ilegal e que mereceria investigação. Permitir que militares de um país amigo façam operações conjuntas e utilizem bases é algo trivial e legítimo em qualquer parte do mundo, desde que aprovado pelo governo local.
O aumento do número de militares e civis americanos na Colômbia já era esperado desde que o Equador decidiu não renovar a permissão para os EUA usarem a base aérea de Manta. Para os EUA poderem continuar fazendo voos com os aviões-radar de alerta antecipado E-3 Sentry AWACs e de patrulha marítima P-3 Orion, precisariam de novas bases.
Pode-se argumentar que os EUA vão mais que "triplicar" o número de militares. Mas o número em si é pequeno: de 250 para 800 militares, além de 600 contratados civis. Não é bem uma invasão. A localização das bases também deixa claro que o foco é em operações contra traficantes, não um "cerco" à Venezuela, como reclamou Chávez. Há um fluxo de droga por mar e ar.
Duas das bases onde operam ou operarão os americanos estão no litoral do Caribe -a base naval Bolívar, em Cartagena, e a base aérea Alberto Pouwels, em Malambo (Barranquilla). Uma está no Pacífico - base naval Bahía Málaga, ideal para substituir Manta. E duas estão no interior - base aérea Palanquero, em Puerto Salgar, e base aérea Apiay, em Villavicencio.
Um detalhe óbvio está ausente: desde quando os EUA precisariam de bases na América Latina se quisessem intervir militarmente na região? Há só uma superpotência militar no planeta hoje. Nenhum outro país tem o alcance global das Forças Armadas dos EUA. Ter bases próximas de onde se queira atacar é útil, mas não essencial. Se quisessem bombardear Caracas e Chávez, não seria preciso uma base na Colômbia. Basta lembrar que os EUA usaram porta-aviões para atacar o Afeganistão em 2001.
Um porta-aviões nuclear USS Nimitz tem 100 mil toneladas de deslocamento. Carrega 85 aeronaves e quase 6.000 tripulantes. Basta um para varrer a Força Aérea Venezuelana do mapa. A Marinha dos EUA tem dez destes navios e um mais velho, o USS Enterprise.
O antiamericanismo era típico da época em que de fato os EUA intervinham militarmente na América Latina. Antes da Segunda Guerra, era rotina ter fuzileiros navais ocupando países como Cuba, Haiti, República Dominicana, Nicarágua. Depois, houve na Guerra Fria o apoio explícito a ditaduras para evitar novas Cubas.
Mas, com a redemocratização do continente a partir dos anos 80, desaparecem motivos e pretextos para intervenções. Uma curiosa exceção aconteceu em dezembro de 1989, quando o então presidente americano George H. W. Bush ordenou a invasão do Panamá para derrubar o ditador e narcotraficante Manuel Noriega. O mais novo porta-aviões nuclear dos EUA chama-se USS George H. W. Bush - nome que decerto desagrada a Chávez. Por Ricardo Bonalume Neto -
Como não tinha nenhuma explicação plausível a dar e não podia reconhecer publicamente que tanto ele como seu seguidor equatoriano Rafael Correa fazem o que podem para ajudar o bando armado que se sustenta do narcotráfico e do sequestro de civis, Hugo Chávez fez-se de ofendido. Editorial O Estado de S. Paulo
Repudiou qualquer tipo de interpelação, chamou de volta a Caracas o embaixador em Bogotá e congelou as relações diplomáticas e econômicas com a Colômbia. Mas isso era pouco. Passou para a ofensiva franca, cobrando satisfações do governo colombiano por este estar em negociações com Washington para ceder o uso de cinco bases militares às forças americanas - algumas centenas de soldados - que combatem as chamadas ameaças transnacionais, principalmente o narcotráfico. E, desde então, a concessão dessas bases passou a ser vista como uma ameaça real e imediata à segurança dos países sul-americanos.
O governo Lula comprou a briga do compañero Chávez e tentou dividir a conta com membros de governo estrangeiros que passavam por Brasília. O presidente Lula, depois de afirmar que "a mim não me agrada mais uma base na Colômbia", fez a ressalva de que, assim como não gostaria que o presidente Álvaro Uribe desse "palpite nas coisas do Brasil", ele também não daria palpite "nas coisas de Uribe" - mas tratou de pedir que o assunto fosse incluído na pauta da reunião da União de Nações Sul-Americanas do dia 10. A presidente do Chile, Michelle Bachelet, que estava em Brasília, agiu com grande correção diplomática, limitando-se a dizer que "nós respeitamos a soberania de cada país e as decisões que tomam". Mas o chanceler espanhol Miguel Angel Moratinos deixou de lado a circunspecção, que deveria marcar o comportamento de um visitante, e pontificou, como se Madri ainda fosse a metrópole: "É preciso cuidado para evitar tensão e militarismo na América Latina. Essa não é a melhor resposta aos problemas da região." E propôs articular reações da União Europeia contra a ampliação da presença militar dos Estados Unidos na Colômbia, muito convenientemente esquecido de que as forças americanas - e não só elas - têm livre trânsito nas bases espanholas que fazem parte da OTAN.
O chanceler Celso Amorim, por sua vez, instruiu o embaixador brasileiro em Washington a obter junto ao Departamento de Estado detalhes sobre o acordo de cessão das bases colombianas. Exigiu, ao que se informa, "transparência". Não fez o mesmo - e muito menos revelou preocupações com a segurança do Brasil - quando, há meses, o caudilho Hugo Chávez colocou à disposição das forças armadas russas todos os portos e aeroportos venezuelanos. Muito menos quis saber publicamente de detalhes dos acordos de cooperação militar assinados esta semana entre Caracas e Moscou, que preveem inclusive a realização de manobras.
Os Estados Unidos estão buscando bases na Colômbia porque Rafael Correa se recusou a prorrogar o acordo de uso da Base de Manta, a partir da qual Washington controlava o tráfego de embarcações e aviões suspeitos de envolvimento com o narcotráfico. Recorde-se que o acordo com o Equador foi assinado depois que foi recusada uma proposta para a cessão de base em território brasileiro.
Esses acordos são negociados às claras e os seus textos são publicados. Não implicam cessão, mesmo parcial, de soberania. As bases continuam sob comando do país hospedeiro e servem exclusivamente para o apoio das operações de patrulha. Disso tudo o governo preferiu fingir que não sabia, para poder prestar mais um favor a Hugo Chávez.
CRÍTICA A USO DE BASES MILITARES EXPLORA ANTIAMERICANISMO
Chávez conseguiu que América Latina desviasse atenção das armas vendidas pela Suécia à Venezuela encontradas com as Farc para reclamar de fato trivial
O presidente venezuelano Hugo Chávez é um gênio da propaganda. Conseguiu que a América Latina desviasse a atenção de um fato seríssimo -a Colômbia ter achado com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) foguetes antitanque AT-4 que foram vendidos pela Suécia ao Exército da Venezuela-, para começar a reclamar em uníssono contra um fato trivial: um pequeno aumento do número de militares americanos em cinco bases colombianas.
Chávez sabe explorar habilmente o antiamericanismo sempre latente na região.
Há vários motivos para um fato ser sério e outro, trivial. Armas das Forças Armadas de um país serem encontradas com a narcoguerrilha em um país vizinho é algo sério, ilegal e que mereceria investigação. Permitir que militares de um país amigo façam operações conjuntas e utilizem bases é algo trivial e legítimo em qualquer parte do mundo, desde que aprovado pelo governo local.
O aumento do número de militares e civis americanos na Colômbia já era esperado desde que o Equador decidiu não renovar a permissão para os EUA usarem a base aérea de Manta. Para os EUA poderem continuar fazendo voos com os aviões-radar de alerta antecipado E-3 Sentry AWACs e de patrulha marítima P-3 Orion, precisariam de novas bases.
Pode-se argumentar que os EUA vão mais que "triplicar" o número de militares. Mas o número em si é pequeno: de 250 para 800 militares, além de 600 contratados civis. Não é bem uma invasão. A localização das bases também deixa claro que o foco é em operações contra traficantes, não um "cerco" à Venezuela, como reclamou Chávez. Há um fluxo de droga por mar e ar.
Duas das bases onde operam ou operarão os americanos estão no litoral do Caribe -a base naval Bolívar, em Cartagena, e a base aérea Alberto Pouwels, em Malambo (Barranquilla). Uma está no Pacífico - base naval Bahía Málaga, ideal para substituir Manta. E duas estão no interior - base aérea Palanquero, em Puerto Salgar, e base aérea Apiay, em Villavicencio.
Um detalhe óbvio está ausente: desde quando os EUA precisariam de bases na América Latina se quisessem intervir militarmente na região? Há só uma superpotência militar no planeta hoje. Nenhum outro país tem o alcance global das Forças Armadas dos EUA. Ter bases próximas de onde se queira atacar é útil, mas não essencial. Se quisessem bombardear Caracas e Chávez, não seria preciso uma base na Colômbia. Basta lembrar que os EUA usaram porta-aviões para atacar o Afeganistão em 2001.
Um porta-aviões nuclear USS Nimitz tem 100 mil toneladas de deslocamento. Carrega 85 aeronaves e quase 6.000 tripulantes. Basta um para varrer a Força Aérea Venezuelana do mapa. A Marinha dos EUA tem dez destes navios e um mais velho, o USS Enterprise.
O antiamericanismo era típico da época em que de fato os EUA intervinham militarmente na América Latina. Antes da Segunda Guerra, era rotina ter fuzileiros navais ocupando países como Cuba, Haiti, República Dominicana, Nicarágua. Depois, houve na Guerra Fria o apoio explícito a ditaduras para evitar novas Cubas.
Mas, com a redemocratização do continente a partir dos anos 80, desaparecem motivos e pretextos para intervenções. Uma curiosa exceção aconteceu em dezembro de 1989, quando o então presidente americano George H. W. Bush ordenou a invasão do Panamá para derrubar o ditador e narcotraficante Manuel Noriega. O mais novo porta-aviões nuclear dos EUA chama-se USS George H. W. Bush - nome que decerto desagrada a Chávez. Por Ricardo Bonalume Neto -
Nenhum comentário:
Postar um comentário