Uma nota desafinada na política petroleira do país

Por uma década, o Brasil desempenhou a inestimável função de oferecer um modelo superior ao que é defendido por Hugo Chávez e seus acólitos para o desenvolvimento latino-americano. As recentes decisões de Brasília sobre a gestão de novas e gigantescas descobertas de petróleo saem do tom, no entanto.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua protegida, herdeira aparente e principal ministra, Dilma Rousseff, alardearam seu plano para os campos petroleiros recentemente descobertos como uma maneira de manter no país a riqueza do petróleo e pôr fim à inaceitável pobreza de muitos brasileiros.

Mas um pacote de leis extremamente vagas que eles enviaram ao Congresso para aprovação em regime de urgência na verdade serve mais para criar a aparência de que Lula e Rousseff estão servindo o interesse público do que para efetivamente promovê-lo. Editorial do "Financial Times"

Substituir o regime de concessões vigente por contratos de divisão de produção sob os quais o governo reteria o direito legal ao petróleo é um exemplo adequado.

As concessões podem ter termos fiscais semelhantes aos dos acordos de divisão de produção: dizer que estes significam "reter a riqueza" é fazer da propriedade um fetiche. Pode ser que o modelo seja politicamente astuto em uma região que costuma ceder ao canto da sereia do nacionalismo, no que tange aos recursos naturais; mas ainda assim representa um passo atrás para o Brasil.

Os acordos de divisão de produção são utilizados por nações cujos sistemas judiciais são fracos a ponto de forçá-las a estipular em contratos (sujeitos a arbitragem internacional) aquilo que países maduros estipulam em forma de lei. A empáfia nacionalista também fica evidente no papel reservado à Petrobras, empresa petroleira semiestatal, que tem garantida sua posição como operadora principal e pelo menos 30% do total produzido sob cada contrato. É verdade que a Petrobras é uma das maiores companhias de petróleo do mundo, e que conta com conhecimentos especiais no segmento de perfuração em águas profundas.

Mas isso precisa ser ponderado diante de outros fatores.

Penetrar quilômetros de rochas e sal por sob o oceano é um teste para qualquer empresa, e requer imensos investimentos.

Depender excessivamente da Petrobras poderia sobrecarregar a empresa, e assim retardar a produção e a receita por ela propiciada. Uma Petrobras que não precise competir pela posição de operadora principal teria pouco motivo para fazer o seu melhor. Disciplina de mercado e forte regulamentação podem ser usadas para manter a empresa em sua melhor forma. Sem elas, a Petrobras corre o risco de sofrer o mesmo destino de outras estatais: desperdício, ineficiência e, na melhor das hipóteses, terminar como um Estado dentro do Estado.

É uma boa ideia manter as participações do Estado e da Petrobras separadas, para impedir o inchaço da companhia. Mas os detalhes quanto a isso são preocupantemente vagos, bem como os dados sobre um fundo de poupança que canalizaria dinheiro do petróleo para o desenvolvimento.

Essa mixórdia apressada se deve em parte às ambições presidenciais de Rousseff no ano que vem. Mas preocupações eleiçoeiras podem colocar em risco a versão pragmática (e bem sucedida) de esquerdismo que o Brasil desenvolveu.

Editorial do "Financial Times" via Folha de São Paulo Tradução de Paulo Migliacci

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