FOTO: Manifestantes colombianos protestam contra a presença do presidente do Irã na América Latina, em frente à embaixada do país, em Bogotá. - Guillermo Legaria/AFP Photo
A matéria: Quando soube que o presidente Mahmud Ahmadinejad viria ao Brasil, o iraniano Mehrdad Monemi, 21 anos, fez vários pedidos à reportagem. “Você deveria lhe perguntar como ele assassinou Neda Agha-Soltan(1), se ele acredita ser o real vencedor das eleições, se existe liberdade no Irã, se o islã se opõe aos direitos das mulheres”, afirmou ao Correio, pela internet, em tom desafiador. As inquietações do jovem morador de Teerã também fazem parte do dia a dia de milhões de cidadãos submetidos às leis do regime teocrático islâmico. Por Rodrigo Craveiro
De fato, a falta de liberdade é a principal queixa no país de 66,4 milhões de habitantes. “Nenhum jornalista tem permissão para escrever reportagens contrárias ao regime ou ao chefe de Estado. Temos prisioneiros políticos. Em meu país, eu não posso mudar de religião, não posso dizer que não desejo ter religião. Serei morto se mudar de credo”, acrescenta.
A indignação de se viver acuado tem o mesmo peso do medo. Em uma nação onde os aiatolás são sempre a última — ou a única — voz, o engenheiro de qualidade Mehran Ghorani Nezami, 25, diz que ser iraniano é submeter-se à pressão de uma “máfia governamental” ou ser abandonado na era mais obscura da Igreja Católica — uma comparação com a Santa Inquisição. “Pensar é proibido e passível de punição. Desde a escola primária, aprendemos como mentir para salvar nossas cabeças”, ironiza. Ele assegura que, no Irã, a personalidade é algo fictício. “Você não pode decidir como viver. Tem de viver da forma que o governo diz a você”, desabafa o também morador da capital.
Segundo Nezami, as proibições envolvem um espectro “imenso” de comportamentos. “Namorar no estilo europeu ou participar de festas de jovens pode dar de uma a três semanas de cadeia. Publicar notícias que mostrem a performance negativa do governo ou queixar-se do aiatolá Ali Khamenei, o líder máximo, também equivalem à prisão”, exemplifica. O engenheiro conta que, duas semanas atrás, o estudante de matemática Mahmood Vahidnia confrontou o líder espiritual iraniano durante um encontro com os alunos da Universidade Sharif.
Durante 20 minutos, Vahidnia criticou a forma com que o governo agiu durante as polêmicas eleições (2)presidenciais e condenou a supressão da dissidência. “Ele desapareceu, ninguém sabe de seu paradeiro”, comenta Nezami. O jovem vê Khamenei como o rei do Irã, ainda que a monarquia do xá Reza Pahlevi (3)tenha deixado de existir há três décadas. “O regime iraniano se assemelha a um país comunista, mas com ideologia do Talibã.”
Parte dessa ideologia é sustentada por uma máquina opressora de controle social, formada pelos basij e sepah, ou pasdaran. A milícia basij responde diretamente ao aiatolá. “É como se fosse uma polícia voluntária. Todas as escolas, universidades e empresas do governo são dotadas de uma unidade basij”, explica Nezami. Os pasdaran ou sepah são os 125 mil membros da Guarda Revolucionária Islâmica, cuja atribuição principal é a garantia do regime revolucionário. Existem suspeitas de que eles também são responsáveis pelo treinamento de grupos terroristas islâmicos no país e no exterior.
Entre aqueles que apoiam Ahmadinejad, o programador e especialista em segurança de redes Mostafa Alava Nik revira o passado para legitimar sua simpatia pelo governo. “Algumas pessoas afirmam que o Irã é uma ditadura. Eu digo que isso é uma democracia. Todos podem comentar sobre suas vidas. Quem afirma que existe uma ditadura aqui é porque ama o velho rei”, afirma, ao acusar os monarquistas de instigarem a população jovem. “Ahmadinejad é, primeiro, um líder. Depois, um guerreiro. Tenta dizer ao mundo que o Irã existe”, diz. O rapaz de 21 anos acusa a oposição de ser formada por “jovens estudantes que nada sabem sobre o presidente”. Mostafa sustenta que o atual presidente prega a equanimidade em todos os campos: ciência, trabalho, energia, educação.
Advogada
A suposta política equânime de Ahmadinejad provoca arrepios em vários iranianos que preferiram se refugiar no exterior. Aos 37 anos, Lily Mazahery é uma das mais renomadas ativistas de direitos humanos e feministas persas. Como advogada, representa os interesses de proeminentes dissidentes políticos e vítimas de violações dos direitos humanos. Ela vê o atual presidente como uma marionete de Khamenei. “Ahmadinejad diz e faz o que o aiatolá deseja que ele diga e faça. Aos olhos de alguns, ele parece maluco. Na maior parte dos países árabes e islâmicos, é visto como um herói”, admite. A especialista acha que Ahmadinejad é um socialista por aptidão, que busca admiração e respeito.
Apesar de não ter vivido no Irã sob o atual governo, Lily não se furta em descrever o que seus conterrâneos sentem. “É sufocante, deprimente, amedrontador. Por um lado, você tem de se policiar em cada palavra, cada ação. É como se a respiração não lhe fosse mais um direito dado por Deus”, compara. De acordo com a advogada, seus clientes, fontes e amigos que permanecem no Irã gozam de poucas liberdades, especialmente as mulheres.
“Os direitos humanos são rotineiramente e cada vez mais violados. Os clérigos no poder fabricam suas próprias regras e padrões de operação da forma como eles desejam. As pessoas sentem-se oprimidas e estão constantemente preocupadas com sua segurança”, explica. O líder dessa sociedade descrita como “extraordinariamente” repressiva deve desembarcar amanhã em solo brasileiro, esbanjando polêmica.
1 - Agonia e martírio
A estudante Neda Agha-Soltan, 26 anos, balbuciou, pouco antes de morrer: “Isso me queimou”. Em 20 de junho passado, ela levou um tiro durante uma gigantesca manifestação contra a reeleição de Mahmud Ahmadinejad, no centro de Teerã. O disparo teria partido de um integrante de uma das milícias pró-regime iraniano. Neda era leal às raízes e aos valores tradicionais islâmicos de seu país. Sua morte foi capturada por câmeras digitais, e logo tomou conta da internet. A jovem que amava viajar, gostava de música pop persa e fazia aulas de piano jamais envolveu-se com ativismo algum. Morreu no meio da rua e se tornou símbolo da oposição.
2 - ONU ataca
A violenta repressão a manifestantes depois da eleição presidencial do Irã, em junho, foi condenada pelo Comitê de Direitos Humanos da Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas). A resolução, que não prevê punições, foi aprovada por 74 a 48 votos na última sexta-feira. Um terço dos países preferiu se abster da votação. O texto cita “assédio, intimidação e perseguição”.
3 - Mão de ferro
O líder com status de monarca transformou o Irã em uma potência militar e econômica do Oriente Médio. O regime autocrático e a corrupção, entretanto, representaram sua derrocada. Entre 1941 e 1979, governou com mão de ferro, e sofreu uma tentativa de assassinato após oito anos no poder. Na década de 1970, reinou em meio ao descontentamento crescente com as mudanças econômicas, que beneficiaram apenas uma parte da população, e com as medidas repressoras de sua gestão. Uma série de levantes provocou o colapso do regime entre 1978 e 1979. Perdeu o poder para o aiatolá Ruhollah Khomeini, durante a famosa Revolução Islâmica. Com um câncer em estado avançado, deixou o Irã em janeiro de 1979 para uma vida no exílio — passou pelo Egito, Marrocos, Bahamas e México. Morreu no Cairo, em 27 de julho de 1980. - Correio Braziliense
Controle opressivo
Iranianos contam como é viver sufocados pelo regime teocrático do país. Falta de liberdade é a principal queixa
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