Espero que o Brasil não jogue esse jogo

ENTREVISTA COM SHAHRIAR MANDANIPOUR

Para autor iraniano, Ahmadinejad troca favores por respaldo político
Exilado há três anos nos EUA, sem ver a mulher há dois anos e a filha há três, o premiado escritor iraniano Shahriar Mandanipour lança nesta semana no Brasil seu primeiro livro dedicado ao leitor estrangeiro.

“Quando o Irã censura uma história de amor” (Ed. Record) reflete sobre a dificuldade de ser escritor num país de censura ferrenha. Do Irã, refugiouse nos EUA à convite da Universidade Brown. Neste país, também já deu aulas em Harvard e na UCLA. Mandanipour falou ao GLOBO por telefone de Boston. Sobre a visita de Ahmadinejad, escolheu uma metáfora futebolística bem ao estilo do presidente Lula para disparar: “Espero que o Brasil não jogue esse jogo”. Por Sabrina Valle

O GLOBO: Como é ser escritor no Irã?

SHAHRIAR MANDANIPOUR: Um dos lados é muito triste: a censura. Mas se o escritor tiver esperança e insistir, entra numa espécie de batalha com os censores em que há alguma chance de sucesso. É possível burlar a censura com sabedoria, explorando a complexidade do texto e com técnicas literárias. A vitória nessa batalha é muito doce e recompensadora.

O senhor publicou 12 livros, mas entre 1992 e 1997 teve suas obras censuradas. Por quê?

MANDANIPOUR: Meus livros falam do fanatismo religioso, do fanatismo ideológico. Em alguns casos, os censores mostram certa leniência, e é nesses períodos que conseguimos publicar nossas grandes obras. Na Revolução Islâmica (1979), cinco de meus livros receberam aval para publicação.

Há quanto tempo o senhor não vê a sua mulher?

MANDANIPOUR: Há dois anos.Quando eu vim para os EUA, ela veio por um ano. Mas não conseguimos visto para minha filha de 23 anos, apesar de termos tentado três vezes. Até conseguimos que ela fosse aceita em Harvard, mas o visto não saiu, basicamente porque ela é iraniana. Há três anos não a vejo. Com a publicação do meu livro, achamos melhor tirá-las do Irã, as duas agora estão na Malásia.

Até 2006 o senhor estava sob o regime de Ahmadinejad. O que ele representa para o senhor?

MANDANIPOUR: Ahmadinejad não é um presidente legitimamente eleito. Nos últimos meses, as pessoas nas ruas mostraram forte desaprovação a seu governo. Mais de 70 foram assassinadas, milhares foram presas. Alguns ainda morrerão na prisão, sob tortura. Ahmadinejad e seu governo representam um pequeno grupo da guarda islâmica.

E o que acha da política americana em relação ao seu país?

MANDANIPOUR: Acho que com as políticas iniciadas por Obama, as questões do Irã vão ficar mais complicadas. Espero que ele lute junto com o povo iraniano por direitos humanos e liberdade de expressão, e não vire as costas por causa de interesses econômicos no curto prazo. Como em 1953, quando os EUA apoiaram o golpe de Estado (contra o premier nacionalista democraticamente eleito Mohammed Mossadegh, em favor do regime ditatorial pró-americano do xá Reza Pahlevi).

Até agora, há muita esperança em relação a Obama. E um sinal disso é que slogans contra os EUA foram trocados em manifestações para slogans contra a Rússia.

Muita gente vê com desconfiança o programa nuclear de Ahmadinejad. Mas, internamente, também há uma certa resistência em aceitar um veto do exterior. Como o povo vê isso? MANDANIPOUR: O senso de nacionalismo no Irã é muito forte. É natural que as pessoas queiram defender seus direitos internacionais. Mas a cada dia as mesas estão mais vazias, a educação está num estado preocupante, a prostituição se disseminou. O povo está passando por tantas dificuldades que ganhar poder nuclear não está entre as suas prioridades.

Ahmadinejad chega ao Brasil amanhã. Como o senhor vê a visita?

MANDANIPOUR: Para todos os países aos quais viajou, como a Venezuela, Ahmadinejad foi bastante liberal com o dinheiro iraniano, doou para construção de casas, escolas etc. Praticamente distribuiu benefícios econômicos. Talvez, nesses países, ele seja reconhecido como presidente do Irã. Para usar uma metáfora futebolística, o time brasileiro é maravilhoso, mas o que o Irã está levando é composto por falsos jogadores. Não são realmente políticos, não são inteligentes.

Só querem o crédito do governo brasileiro, em troca de vantagens econômicas. Meu único pedido é que o time brasileiro não jogue esse jogo até o dia em que o Irã possa mandar sua seleção verdadeira. E esse será um belo jogo para se ver.

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