Anotações obtidas pelo 'Estado' mostram
como acusado de integrar esquema que negociava pareceres de órgãos federais
pretende rebater acusações na Justiça
Fausto
Macedo e Bruno Boghossian - O Estado de S.Paulo
Isolado no cárcere, Paulo Vieira
escreveu seu diário. Em letras miúdas, rabiscou os primeiros passos de sua
defesa. As anotações descrevem minuciosamente situações e relacionamentos com
personagens como Rosemary Noronha, ex-chefe de gabinete da Presidência em São
Paulo, e José Weber Holanda, ex-advogado-geral adjunto da União. Elas revelam
um homem angustiado, que quer ir à Justiça apresentar seus argumentos e rebater
ponto a ponto a Operação Porto Seguro, da Polícia Federal, que lhe confere
papel decisivo na suposta trama para compra de pareceres técnicos de órgãos
públicos.
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Reprodução
Paulo Vieira escreveu
16 folhas na prisão para rebater acusações
O acusado preencheu metodicamente16
folhas, frente e verso, quatro delas destacadas de um bloco, e 12 de papel
sulfite com canetas de tintas preta, azul e vermelha - suas únicas companhias
na prisão, além da memória.
As frases vão de alto a baixo, sempre aquela
escrita espremida, uma e outra expressão grifada. O ex-diretor da Agência
Nacional de Águas (ANA) flagrado em escutas da PF ficou sob custódia de 23 a 30
de novembro.
Os primeiros seis dias ele passou no
Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília. Amparado em autorização
judicial, que reconheceu sua condição de advogado, foi removido para o
Regimento da Cavalaria da Polícia Militar em São Paulo, onde ficou por 48
horas, até ganhar a liberdade por decisão do Tribunal Regional Federal da 3.ª
Região (TRF3).
No quarto dia de reclusão, 26 de
novembro, ele recorre aos céus. "Preso. Meu Deus! Piedade Senhor!"
Insurge-se contra uma das imputações penais que recaem sobre ele, por corrupção
ativa, artigo 333 do Código Penal. "Trancamento do inquérito. Onde está a
participação do 333?"
Registros e reflexões do prisioneiro
seguem linha defensiva, não hostiliza ninguém. Confirma relações próximas com o
ex-senador Gilberto Miranda (PMDB-AM) e com Rose Noronha, ambos alvos da Porto
Seguro. Com ela, ressalta, tem "muitos negócios". Aponta que foi
padrinho de casamento de Mirela, filha de Rose.
Aqui e ali escreve ser "amigo"
ou "muito amigo" de alguns personagens, como Weber Holanda, o
ex-número 2 da AGU acusado de facilitar o trâmite de processos que
beneficiariam empresas ligadas à organização. "Weber (advogado) - amigo
pessoal, conheço do tempo em que trabalhamos no MEC, sempre debatemos diversas
matérias jurídicas."
Dia 25 cita a ministra Izabella Teixeira
(Meio Ambiente) ao abordar liberação de um empreendimento portuário de Gilberto
Miranda. "Quem provocou o tema foi a ministra do Meio Ambiente." A
ministra afirma que nunca tratou do projeto do ex-senador e que jamais se
encontrou com seus emissários.
Vieira diz que conheceu em 2002 Cyonil
Borges, ex-auditor do Tribunal de Contas da União que o delatou. "Ficamos
amigos." Em outro trecho, escreveu: "O sr. Cyonil tentou s/ sucesso
virar sócio meu. (...) Tínhamos plano de ganhar muito dinheiro. (...) Não tendo
êxito, virou nosso inimigo".
À Polícia Federal, Cyonil sustenta que
Vieira lhe ofereceu R$ 300 mil por um laudo. "Nunca ofereci dinheiro para
Cyonil fazer parecer", rebate o ex-diretor da ANA, na anotação do dia 27.
Declara amizade com Evangelina Pinho,
ex-superintendente da Secretaria de Patrimônio da União, denunciada por
favorecer o grupo. "Mora em imóvel de minha propriedade em Brasília,
alugado a ela no 1.º semestre", afirma, no dia 29.
Bens. Em outras páginas, que intitula "elementos de defesa, o que
ouvi do processo", Vieira afirma que os pareceres que redigiu foram
solicitados por órgãos públicos. "Era muito comum o pessoal pedir minha
opinião em processos (...) pela minha experiência." Fala da parceria com o
advogado Marco Antonio Negrão Martorelli, a quem a Procuradoria da República
atribui função de "testa de ferro jurídico da quadrilha". "Fiz
pareceres e estudos para o escritório do Martorelli desde 2008."
O roteiro de defesa nega captação de
recursos públicos. Ele afirma que jamais enriqueceu nos cargos que ocupou na
administração. Descreve seus bens e o período em que foram adquiridos: 2006,
casa, três terrenos; 2007, terrenos, sala; 2010 (já na diretoria da ANA), flat,
quatro imóveis (obtidos em leilões).
Incomoda-o as instalações na prisão.
"Condição da sala é péssima. Verificar possibilidade de prisão
domiciliar." É dia 30.
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