Cuidado com a reforma", editorial
do Estadão
19/07/2013 09:05
A presidente Dilma Rousseff não está
sozinha quando prega a reforma política para tornar o sistema mais ético, mais
democrático e mais atento às demandas da população, como disse na sua fala ao
Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do governo, o chamado Conselhão.
Ela reconheceu que as passeatas de junho não exigiam especificamente nem a
mudança das regras do jogo político-eleitoral nem a realização de um plebiscito
para torná-la realidade. "Mas", emendou, "era uma variante
disso."
Desnecessário insistir em que a
presidente, com toda a probabilidade, jogava para a arquibancada ao se sair,
primeiro, com a convocação de uma Constituinte para fazer a reforma e, depois,
evidenciada a sua ilegalidade, com a proposta de reforma para 2014 por
plebiscito - o qual, embora descartado pelo Congresso, ela continua a achar
"imprescindível". O que inquieta, a esta altura, é a convicção
amplamente compartilhada de que a reforma é imprescindível para sanear a
política nacional.
Já o maciço apoio ao plebiscito
registrado nas pesquisas - diga-se com franqueza - equivale ao previsível
resultado de uma hipotética pergunta a um contingente de crianças se gostariam
de ganhar um sorvete de chocolate. Nisso, sejam quais forem os motivos por trás
de suas proclamadas certezas, a presidente tem razão: quem foi à rua queria,
sobretudo, "mais oportunidade de ser ouvido".
É hora de repor as coisas nos seus
devidos lugares. Por mais que se diga que a ocasião faz o ladrão, não há nenhum
nexo necessário ou qualquer relação direta e inescapável entre o conjunto de
regras que governam a atividade política e os ciclos eleitorais, de um lado, e
a conduta ética dos eleitos. Algumas modalidades podem ser mais propícias do
que outras à prática de ilícitos entre aqueles a quem acolhem. Mas, ao fim e ao
cabo, a retidão de cada qual dependerá dos valores que traz consigo - e,
principalmente, do temor fundamentado de que os seus eventuais ilícitos não
ficarão impunes.
Pontos específicos de um sistema fazem
diferença nessa frente. Quando empresas podem gastar os tubos para eleger
parlamentares, ou bancadas inteiras, que cuidem de seus interesses, está armado
o cenário da esbórnia. O mesmo vale para o esquema que permite aos donos de
partidos nanicos se eleger em coligações com siglas maiores, em troca do tempo
de TV que lhes agregam. Vale ainda para o tipo de campanha cujo item mais
custoso, ou melhor, extravagante, são os serviços de marquetagem que
transformam políticos venais em pilares de austeridade e incompetentes em
realizadores.
Se apenas pessoas físicas pudessem
financiar candidaturas - e, ainda assim, dentro de limites relativamente
modestos -, os shows de engana-eleitor seriam menos frequentes. E, se fossem abolidas
as coligações nos pleitos para deputados e vereadores, as Casas Legislativas
abrigariam menos políticos negocistas e menos partidos de aluguel. Mas não vai
muito além disso o poder moralizador da legislação política. Nem isso deve ser
a razão básica para reformá-la.
Primeiro, para prevenir decepções
futuras. Segundo, porque não há sistema que só traga benefícios. A regra de
ouro do cobertor curto se aplica, por exemplo, à louvável preocupação com o
grau de representatividade das instituições legislativas e a igualdade de
oportunidades eleitorais. Mas uma coisa e outra tendem a facilitar a
proliferação de partidos, em detrimento de sua identidade programática. E isso,
por sua vez, induz os governantes de turno, para ter aprovados os seus projetos,
a fazer barganhas que incluem alguma forma de corrupção.
Por fim, o reformismo sem um propósito
claro - e realista - tem tudo para se tornar um embornal de propostas
desencontradas, contraditórias, quando não injustificáveis. É o caso da jogada
do PMDB, com o apoio, quem diria, do PSDB, de acabar com a reeleição no
Executivo a partir de 2016 ou 2018. Introduzido no primeiro governo do tucano
Fernando Henrique, o mandato de oito anos com um recall no meio passou pelo
teste do tempo e, na soma algébrica dos prós e contras, parece preferível às
demais alternativas.
Cuidado com o que deseja, aconselha o
ditado. Pode virar realidade
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