“Por que não fala sobre a Siemens?”,
esgoela-se a petralhada. E logo vem a suposição, que a súcia pretende seja uma
resposta: “Só porque, desta vez, envolve o PSDB?”. Ora, ora… Os tucanos, e com
razão, são sempre os primeiros a negar o parentesco entre o que eles pensam e o
que eu penso. Já afirmei aqui umas 300 vezes, e posso repetir outras tantas,
que — para fazer uma blague influente, nestes dias — o PSDB não me representa.
Mas votarei, sim, em Geraldo Alckmin em 2014 — e não vejo por que alguém deva
supor algo diferente disso. Ou me imaginam escolhendo, deixem-me ver, Alexandre
Padilha, do PT, ou Paulo Skaf, do PMDB? Falo, sim, sobre o caso Siemens, um
troço que guarda mais parentesco com uma novela de Kafka do que com um processo
conduzido num país em que vige um estado democrático e de direito. Vamos ver.
Se alguém cometeu alguma safadeza nas
licitações do metrô, que seja punido. Por que haveria de ser diferente? Mas é
evidente que não dá para ignorar os absurdos que envolvem essa denúncia. Vejamos.
O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), uma autarquia subordinada
ao Ministério da Justiça — cujo titular é o notório José Eduardo Cardozo —,
conduz uma, atenção!, “INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR” para apurar se houve uma
espécie de formação de cartel, com combinação de preços, que teria resultado em
prejuízos aos cofres do estado — fala-se de irregularidades em São Paulo e no
Distrito Federal. Primeira dúvida: nos demais estados, a Siemens agiria de modo
diferente? Por quê? E quando negocia com o governo federal? Adiante.
Ficamos sabendo que existe o chamado
“Acordo de Leniência”, por meio do qual executivos da Siemens — a empresa nega
que seja a fonte de informação — teriam revelado as irregularidades,
sustentando que o governo de São Paulo (no caso, o de Mário Covas) teria
ciência das irregularidades, compactuando com elas. Contratos renovados nos
governos seguintes carregariam, então, o mal de origem. Essas informações, ou
suposições, vieram a público em reportagens da Folha e do Estadão.
Notem que, obviamente, não estou aqui a
negar que tenha havido safadeza. Como poderia? Não conheço o processo. Não
tenho os dados em mãos. Ocorre que há uma coisa espantosa: o governo de São
Paulo, o principal interessado nessa história, também não tem. Assim, o ente
“governo do estado” está sendo acusado na imprensa de ter compactuado com uma
tramoia, mas — e eis o dado kafkiano — não tem acesso à investigação porque,
afinal de contas, ela está resguardada pelo sigilo de Justiça.
Então vamos ver se a gente consegue
entender direito: jornalistas, como resta evidente, tiveram acesso a pelo menos
parte da investigação que está no Cade. O principal acusado, no entanto, está a
chupar o dedo. NÃO TEM COMO SE DEFENDER PORQUE NÃO SABE DIREITO DO QUE É
ACUSADO. A justificativa do Cade é que o papelório está protegido por sigilo de
Justiça. Leio na Folha:
“O procurador-geral do Estado de São
Paulo, Elival da Silva Ramos, disse que a lei permite ao CADE (Conselho
Administrativo de Defesa Econômica) fornecer à administração paulista
documentos da investigação sobre a suposta formação de cartel em licitações de
trens em São Paulo, independentemente de autorização judicial.
O CADE, órgão federal de combate às práticas empresariais prejudiciais à livre concorrência, sustenta que só pode fornecer os papéis após decisão da Justiça. Segundo Ramos, a recusa de entrega de dados atrasa eventuais ações de reparação de danos a serem iniciadas pelo Estado caso haja provas de conluio nas concorrências.
A Procuradoria-Geral do Estado, órgão responsável pela defesa jurídica do Executivo paulista, afirma que foi obrigada a preparar um mandado de segurança para pedir ao Judiciário o acesso às informações da investigação.”
O CADE, órgão federal de combate às práticas empresariais prejudiciais à livre concorrência, sustenta que só pode fornecer os papéis após decisão da Justiça. Segundo Ramos, a recusa de entrega de dados atrasa eventuais ações de reparação de danos a serem iniciadas pelo Estado caso haja provas de conluio nas concorrências.
A Procuradoria-Geral do Estado, órgão responsável pela defesa jurídica do Executivo paulista, afirma que foi obrigada a preparar um mandado de segurança para pedir ao Judiciário o acesso às informações da investigação.”
Retomo
Não se trata de exercitar teoria conspiratória, não! Estamos diante de uma matéria de fato. Há uma investigação preliminar no Cade; dados dessa apuração chegam à imprensa em tom acusatório — com um genérico “o governo sabia de tudo” —, mas não se sabe que “tudo” é esse, quais as pessoas envolvidas e que irregularidade foi cometida.
Não se trata de exercitar teoria conspiratória, não! Estamos diante de uma matéria de fato. Há uma investigação preliminar no Cade; dados dessa apuração chegam à imprensa em tom acusatório — com um genérico “o governo sabia de tudo” —, mas não se sabe que “tudo” é esse, quais as pessoas envolvidas e que irregularidade foi cometida.
Pode até ser que o escândalo tenha mesmo
acontecido — e, se assim foi, cadeia para a turma. No momento, o único
escândalo incontroverso é esse vazamento seletivo de dados de uma investigação
sem que o principal acusado consiga ter acesso aos autos. Esse é um
procedimento muito comum, hoje em dia, nas ditas repúblicas bolivarianas.
Chávez (e agora Nicolás Maduro), Rafael Correa e Evo Morales costumam recorrer
a acusações de corrupção para se livrar de seus adversários políticos.
Falas
suspeitas
Ademais, não dá para ignorar certas falas, não é? O site “Implicante” levou ao ar o vídeo que registra a solenidade de posse de Vinícius Marques de Carvalho, presidente do Cade. Prestem atenção:
Ademais, não dá para ignorar certas falas, não é? O site “Implicante” levou ao ar o vídeo que registra a solenidade de posse de Vinícius Marques de Carvalho, presidente do Cade. Prestem atenção:
Notem a sua verdadeira devoção a um outro
Carvalho, o Gilberto. A proximidade é de tal sorte que, rompendo com o
protocolo, trata o ministro como “você”. Trata-se, mesmo, de uma relação de
profunda amizade; se os “Carvalhos” do sobrenome traduzem parentesco, isso não
sei. Há quem diga que sim. Pouco importa. Por que um chefe do Cade recorre a
esse tom laudatório para se referir ao “engajamento” de um ministro?
“O que você está querendo dizer com isso,
Reinaldo?” Nada de muito misterioso: um órgão técnico como o Cade não poderia,
parece-me, estar sujeito a esse tipo de sotaque político. Não é preciso ser um
gênio da raça para que se perceba a óbvia influência de Carvalho, o Gilberto —
braço operante de Lula no Planalto —, na autarquia.
Mais: o Cade pertence ao Ministério da
Justiça. Dos ministros de Dilma, Cardozo tem sido o mais dedicado à tarefa de
criar dificuldades para a gestão do PSDB em São Paulo. Teoria conspiratória?
Não! Mais uma vez, matéria de fato. O ministro está na raiz da crise que
resultou na demissão de Ferreira Pinto, ex-secretário de Segurança do estado. O
ministro tentou tirar uma casquinha dos protestos em São Paulo. Escrevi vários
textos a respeito.
É evidente que o vazamento obedece a um
propósito político. Sem que a investigação seja tornada pública, a coisa fica
como o PT e o diabo gostam, não é mesmo? A suspeita recai genericamente sobre
os “tucanos” e suas sucessivas gestões no estado. Nestes dias em que qualquer
grupinho de 20 para a Paulista, o objetivo é fornecer combustível aos protestos
de rua em São Paulo. E justamente na área que está a origem das mobilizações de
rua: transporte público.
Concluo
A turma não brinca em serviço. E olhem que o jogo mal começou.
A turma não brinca em serviço. E olhem que o jogo mal começou.
Por Reinaldo Azevedo
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